«(…) O silêncio era absoluto. Patricia ainda considerou a possibilidade de permanecer sentada e prosseguir com a consulta do manuscrito, rodeada pelo ambiente denso daquele lugar opressor, mas a verdade é que os sons inesperados e o silêncio pesado que os envolvia a enervaram. Onde diabo se metera o empregado? Quem estaria fazendo os ruídos que ela escutara? Se era o empregado, porque não respondia? Signore! Mais uma vez, ninguém respondeu. Tomada por uma inquietude que não conseguia explicar, a historiadora ergueu-se com um movimento repentino, como se esperasse que a brusquidão afugentasse o próprio medo. Tinha de tirar aquilo a limpo. Além do mais, acrescentou para si mesma, era a última vez que aceitaria se trancar sozinha numa biblioteca à noite. Sob os contornos da penumbra, tudo lhe parecia sinistro e ameaçador. Ainda se tivesse o seu Manolo ao lado!... Deu uns passos e cruzou a porta, decidida a esclarecer o mistério do desaparecimento do empregado. Entrou na Sala Inventario Manoscritti, que se encontrava mergulhada na escuridão, e notou uma mancha branca a seus pés. Baixou o olhar para ver o que era. Tratava-se de uma simples folha de papel pousada no chão. Intrigada, ajoelhou-se e, sem pegar nela, inclinando-se como se a quisesse cheirar, estudou-a com uma expressão intrigada.
O que diabo é isso?, interrogou-se. Nesse instante percebeu um vulto sair da sombra e cair sobre ela. O coração disparou com o susto e Patricia quis gritar, mas uma enorme mão tapou-lhe a boca com força e tudo o que conseguiu fazer foi emitir um gemido de horror, rouco e abafado. Tentou fugir. Contudo, o desconhecido era pesado e impediu-lhe os movimentos. Virou a cabeça para tentar identificar o agressor. Não conseguiu encará-lo, mas notou confusamente algo cintilando no ar. No derradeiro instante compreendeu que se tratava de uma lâmina. Porém, não teve tempo de raciocinar sobre o que estava acontecendo porque sentiu uma dor lancinante rasgar-lhe o pescoço e o ar lhe faltou de imediato. Tentou gritar, mas não tinha ar. Agarrou o objecto frio que lhe furava o pescoço, num esforço desesperado para impedi-lo, mas ele era manejado com demasiada força e a energia começava a se esvair do seu corpo. Um líquido quente jorrou-lhe sobre o peito em golfadas e, no estertor da aflição, tomou consciência de que era o seu próprio sangue. Foi a última coisa em que pensou, porque de imediato a visão se encheu de luzes e depois de escuridão, como se um interruptor a tivesse desligado para sempre.
O pincel escovou a
terra que ao longo dos séculos se acumulara sobre a pedra, entranhando-se nos
poros mais minúsculos. Quando a nuvem de pó acastanhado se desvaneceu, Tomás
Noronha aproximou os olhos verdes da pedra, como um míope, e inspeccionou o
trabalho. Porra! Ainda havia terra para retirar. Suspirou fundo e passou as
costas da mão pela testa, ganhando embalo para mais umas escovadelas. Aquele
decididamente não era o tipo de tarefa que mais apreciava, mas resignou-se;
sabia que na vida não se faz sempre aquilo de que se gosta. Antes de recomeçar,
todavia, ofereceu a si mesmo um momento de repouso». In José Rodrigues
dos Santos, O Último Segredo, 2011, Edições Gradiva, 2011, ISBN 978-989-616-446-1.
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