sexta-feira, 15 de março de 2024

A Conspiração do rei James. Phillip Depoy. «O velho revirou os olhos. Ah. Timon retirou o punhal. A vítima cambaleou em direcção às pedras do beco no momento em que o assassino imaginou ver uma erupção de vapor branco…»

jdact e wikipedia

Cambridge, Inglaterra

«Deixe-me explicar o que acontece, sussurrou o agressor, calmamente. Deslizei a faca por essa finíssima pele até ao coração que batia. Agora o senhor já não sente a lâmina mover-se, mas dividi o coração quase na metade exacta. O ferimento no peito é tão perfeito que pouco sangue se espalhará, mas o coração continuará a bombear por um instante, enchendo a cavidade peitoral com suficiente sangue, pelo menos em teoria, para fazer o torso, na verdade, explodir. Não tenha medo. Estará morto quando isso acontecer. Mas tornará muito difícil a identificação do sangue. O capuz do monge escorregou para trás e revelou um rosto de frio brilho. Tinha os olhos cor de folhas verdes novas, cabelos grisalhos encaracolados, desgrenhados e tempestuosos ao redor da cabeça. As feições pareciam mais esculpidas que fixas.

Eu o conheci... anos atrás... Giordano!, conseguiu dizer Jacob. Sim, respondeu Giordano, tranquilizando-o. Por isso o matei: não devo mais ser Giordano. Preciso desaparecer de todos os registos, e o senhor é um registo vivo de minha existência. De agora em diante, serei chamado de Timon, entenda. Jacob lutou para falar mais.

Não tema, interrompeu-o o assassino. O senhor dedicou a Deus e a seus amos na família Sidney uma boa vida de serviço. Tem a alma prostrada agora... Eu a sinto... A espera do salto para o céu. Lá encontrará bem-aventurança. Foi um homem bom.

O beco era curto, o espaço de três cavalos, pedras sob os pés, gelo entre duas lojas ruidosas naquela parte mais pobre de Cambridge. A primeira, de um açougueiro, emprestava o ar de fétida putrefacção. A outra, o casebre de um funileiro. De toda a parte, pendiam panelas baratas.

Jacob se esquecera de onde se encontrava. Não conseguia sentir nada. Apenas o opressivo aroma de noz-moscada que se desprendia do agressor. Talvez se pergunte por que escolhi este método de execução, continuou Giordano, a lâmina ainda no peito do velho. Eu tinha ternura pelo senhor, e meus estudos indicaram que não se sente nada com esse ferimento. Os antigos médicos gregos nos dizem que, quando um homem sofre um repentino choque dessa magnitude, o corpo recusa-se a acreditar, e todos os sentidos se fecham por um breve tempo. O senhor logo dormirá, sem sentir mais que a primeira afronta do punhal. Ofereci-lhe, Jacob, a única bondade que tenho a dar numa circunstância como esta.

O velho revirou os olhos. Ah. Timon retirou o punhal. A vítima cambaleou em direcção às pedras do beco no momento em que o assassino imaginou ver uma erupção de vapor branco projectar-se para cima. Adeus, Jacob, disse o assassino ao vapor. Eu, ai de mim, não tornarei a vê-lo. Passaremos à eternidade em diferentes acomodações. Nesse momento, um cachorro saltou das sombras, liberado por uma porta lateral do açougue.

Pegue-o, garoto!, grunhiu uma voz. Ele matou Jacob. O animal saltou sobre a garganta de Timon. Sem reflectir, ele girou o punhal para a frente, enterrou-o fundo e cortou a garganta do animal, quase degolando-o. A carcaça agonizante continuou a voar até cair no chão ao lado da vítima. O assassino avançou três longos passos com toda a calma e encontrou o açougueiro agachado nas sombras, com os olhos saltando das órbitas.

Sem uma palavra, agarrou-o pelo avental e atirou-o para trás pela porta lateral, loja adentro. O homem bateu numa mesa de madeira e caiu encolhido no piso. Como uma sombra fugaz, Timon voltou ao beco para agarrar pelo rabo do cachorro morto e arrastá-lo até ao açougue. Vai ser um pouco desconfortável, avisou, muito tranquilo, e jogou mais uma vez o capuz para trás. Logo o açougueiro começou a rastejar de costas». In Phillip Depoy, A Conspiração do rei James, Prumo, 2009, ISBN 978-857-927-022-2.

Cortesia de Prumo/JDACT

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