sábado, 9 de outubro de 2010

António de Gouveia: Professor de Direito em Grenoble.

(1510-1566)
Beja
Cortesia de wikipédia

O humanista português António de Gouveia, nascido em Beja, por volta de 1510, participou do movimento literário do Renascimento francês, tendo publicado, em Lyon, dois volumes de epigramas, nos anos de 1539 e 1540, intitulados, respectivamente, Epigrammaton Libri Duo e Epigrammata; Eiusdem Epistolae Quattuor. Como o título indica, a segunda publicação traz, adicionalmente, quatro cartas poéticas, de caráter elegíaco, imitadas das Heróides, de Ovídio.
A obra desse escritor lusitano, inteiramente composta em latim, é tributária dos autores clássicos de maior prestígio naquela época, na França, como Virgílio, Ovídio, Cícero e, nos epigramas, Teócrito, Ausónio e Marcial.


Com a devida vénia a Joaquim Veríssimo Serrão, Coimbra, 1954, N9FQ-EHG-8B5S, Separata do Boletim da Universidade de Coimbra, volume XXII.
António de Gouveia, professor de Direito em Grenoble.

«O presente trabalho de investigação trata da vida e do modo de pensar de António de Gouveia no período que decorre entre os meses de Outubro de 1555 e de Maio de 1562, época durante a qual o humanista permaneceu no Studium de Grenoble como regente da Faculdade de Direito.
António de Gouveia é tido pela totalidade dos historidores do século XVI, como o Mestre mais eminente e de mais sonora repercussão que regeu em Grenoble, defendeu uma acção mais fecunda em defesa dos inovadores princípios do humanismo jurídico. A sua profunda erudição clássica, aliada a um penetrante génio para apreender os fundamentos históricos do Direito latino na clara interpretação dos juristas do Lácio tornaram então altamente prestigiado o nome de António de Gouveia.

Jacob Cujácio (1522-1590)
Cortesia de wikipédia
Jacob Cujácio proclamou o jurisconsulto português como o mais competente intérprete das fontes do Direito. Durante os 6 anos da sua presença em Grenoble, a sua actividade intelectual espraiou-se por domínios variados, desde a preparação de alguns tratados de essência jurídica que com o decorrer dos séculos, não perderam a sua fecunda originalidade, até ao prestígio alcançado do alto da sua cátedra, em que o brilho da palavra oral do humanista fazia atrair à região do Delfinado milhares de escolares, oriundos dos diversos centros da latinidade, que ansiavam por escutar as lições do famoso regente.

A chegada a Grenoble de António Gouveia deu-se em data muito próxima à de 21 de Outubro de 1555. Constitui testemunho honroso para os anais do humanista lusitano, pelos termos altamente elogiosos com que nele se eleva a personalidade científica de António Gouveia, o relatório municipal reunido expressamente para deliberar sobre as cláusulas do novo contrato.

Cortesia de wikipédia
Com a assinatura deste importante documento António de Gouveia iniciava o segundo período de 3 anos da sua permanência em Grenoble. Torna-se curioso acentuar as expressões de prestígio que são concedidas a Gouveia como Professeur Royal do Estudo gratianopolense, Mestre Real, porque o salário anual do regente provinha da subvenção concedida pelo monarca; segundo a hierarquia universitária, porque, logo após o decano da Universidade, seria a ele que seriam endereçadas as honras e os privilégios que a instituição reservava para os membros mais ilustres.
Cercado de prestígio universitário e aureolando, com a pujança do seu verbo magnífico, o Estudo Jurídico de Grenoble, 3 anos decorridos sobre a sua chegada a esta cidade encontrava-se António de Gouveia no apogeu da sua glória de jurisconsulto.

Portada do estudo de António Gouveia sobre a Lei Falcídia, 1556
Portada da edição de 1561 dos Opera Juris Civilis de António Gouveia
Universidade de Coimbra
Cortesia de wikipédia

No decorrer destes 6 anos em Grenoble houve muitos acontecimentos. Atitudes ingratas, lutas religiosas, fecho dos estudos universitários, atraso nos honorários, etc. No entanto, António de Gouveia, apesar de todos os perigos que o poderiam vir a envolver, decidiu não abandonar Grenoble e esperar a reabertura dos gerais universitários
Entretanto, tinha-se chegado ao mês de Outubro de 1562 e os Gerais continuavam encerrados.
Por esta data, o jurisconsulto decide abandonar o burgo onde acabava de passar 6 anos de existência, dignificada por um prestígio científico invulgar.

As palavras de António de Gouveia na dedicatória do seu estudo sobre a Lei Falcídia, constituem um depoimento de interesse pleno:

A preparação das minhas aulas ocupa-me tanto que o tempo de de disponho para escrever é quase diminuto. Por tal motivo os tratados que já publiquei são ainda bastante incompletos e ressentem-se da sua origem. São as minhas lições orais sobretudo, recolhidas pelos meus escolares mais assíduos, que eu publico, fazendo nelas ligeiras modificações. Aqueles que julgam que se torna fácil compor obras no tempo livre dos trabalhos e preocupações do professorado não podem compreender as dificuldades que a nossa profissão implicae iludem-se quanto aos momentos livres de que um prodessor pode dispôr.

Estas palavras constituem um depoimento histórico da maior sinceridade intelectual e permitem ajuizar quanto António Gouveia não prezava o labor honesto e recolhido, mas altamente profícuo.

Obras:
  • Antonius Goveanus jureconsultus ad Titulum de Vulgari et Pupillari substitutione, Agosto de 1556;
  • Antonius Goveanus jureconsultus ad LL. X, tit. Ad legem Falcidiam, libro XXXV. DD. Ad Petrum Bucherum, Jureconsultus, Academiae Gratianopol restitutorem, Janeiro de 1557;
  • Antonius Goveanus ad L. XXIX, Gallus Aquilius Dig. de Liber et posthumis, Março de 1560;
  • Antonius Goveanus icti ad pandectarum titulum ad senatus consultum Trebellianum Commentarii, estudo jurídico que permaneceu inédito durante 3 séculos, devendo-se a Caillemer, em 1864, a publicação do valioso manuscrito
Cortesia do Prof. Joaquim Veríssimo Serrão/U. de Coimbra/JDACT