sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Carlos de Oliveira: Um dos grandes poetas do século XX. Combina a preocupação de intervenção social com a reflexão sobre a escrita. Um escritor dotado de densidade e agudeza nos efeitos diversificados da sua leitura

(1921-1981)
Óleo de Mário Dionísio
Cortesia de humusl33

Bolor
Os versos
que te digam
a pobreza que somos,
o bolor nas paredes
deste quarto deserto,
o orvalho da amargura
na flor
de cada sonho
e o leito desmanchado
o peito aberto
a que chamaste
amor.
Carlos de Oliveira, in «Poesias»

Montanha
Sons sob a luz. Mosteiros,
torres sobrenaturais,
vibrando fluidamente no ar;
como? se o fluxo de mica,
os altos blocos de água,
cintilam sem rumor.

Toda esta arquitectura,
lenta percussão, perpassa;
sobre cerros sonoros;
com o seu contorno
infixo, fulgurando. Detenham-se
as estrelas quando
for noite; preguem-se
outros pregos de prata
fora do céu visível.
Sons já sem luz. Pastores
poisam as ocarinas, bebem;
entre colinas ocas;
o frio coalhado
pelas tetas das cabras.
Carlos de Oliveira, in «Pastoral»

JDACT