Cortesia de teorema
O Futuro Tomado a Sério
«No reino dos seres vivos, o ser humano é o único que sabe que há futuro. Se os humanos se preocupam e esperam é porque sabem que o futuro existe, que ele pode ser melhor ou pior e que isso depende, em certa medida, deles próprios. Mas saber isto não implica que eles saibam também o que devem fazer com esse saber. E reprimem-no com frequência, porque pensar no futuro distorce a comodidade do agora, que costuma ser mais poderoso do que o futuro porque é presente e porque é certo; o futuro é, em contrapartida, uma coisa que tem de ser imaginada antecipadamente e que por isso mesmo é sempre incerta. Dar-se bem com o seu futuro não é tarefa fácil, para a qual o instinto nos tenha assegurado a impossibilidade de engano; por isso é muito frequente que nos relacionemos mal com ele e temamos em demasia ou que esperemos contra todas as evidências, que nos preocupemos excessivamente ou muito pouco, que não sejamos capazes de o antever ou de o configurar na medida do possível.
Cortesia de abrangente
Algo de semelhante acontece com as sociedades: também estas devem desenvolver essa capacidade de olhar para além do momento presente, e também elas o fazem com desigual fortuna. Boa parte dos nossos mal-estares e da nossa pouca racionalidade colectiva provém de que as sociedades democráticas não mantêm boas relações com o futuro. Em primeiro lugar, porque todo o sistema político, e a cultura em geral, se debruça sobre o presente imediato e porque o nosso relacionamento com o futuro colectivo não é de esperança e projecto mas de precaução e improvisação. A partir dos anos setenta do século passado o futuro introduziu-se na nossa agenda, mas menos como âmbito de configuração do que como realidade problemática: irrompem os limites do crescimento e as sombrias perspectivas ecológicas, tematiza-se o risco, instala-se a crise da ideia de progresso. . . Os cidadãos mostram-se cépticos perante os convites a avançar para horizontes não imediatos, e os políticos sentem-se à vontade seguindo-lhes o exemplo. Hipotecamos socialmente o tempo futuro de várias maneiras e exercemos sobre as gerações vindouras uma verdadeira expropriação temporal.
Cortesia de armacaodepera
É claro que já não estamos na época da modernidade triunfante, que disciplinou o futuro mediante a investigação metódica da natureza, a inovação técnica, a codificação do direito e as instituições burocraticamente organizadas. Os procedimentos delineados pelas sociedades modernas para dispor do futuro parecem agora inadequados. Não porque o futuro fosse melhor antigamente, como ironicamente sentenciava Karl Valentin, mas porque era mais claro. São muitos os factores que explicam o desaparecimento das velhas certezas acerca do futuro. A experiência da mudança acelerada cria mal-estar, mas cria-o principalmente o facto de se saber que essa aceleração problematiza ainda mais a nossa capacidade de configurar o futuro de uma maneira significativa. O nosso relacionamento com o futuro é mais complexo, menos ingénuo. A sociedade do risco necessita de novos instrumentos de antecipação; sem eles, o futuro poderá escapar-nos irremediavelmente». In Daniel Innerarity, O Futuro e os seus Inimigos, Editora Teorema, ISBN 978-972-695-960-1.
Cortesia de Teorema/JDACT