sábado, 16 de abril de 2011

Fundação Robinson: O Convento de São Francisco de Portalegre. Parte V. A Igreja do convento de S. Francisco de Portalegre. História de um edifício. «...quando os edificios resistem ao passar dos anos sem serem demolidos e substituídos por outros novos ou desaparecerem, têm de ser adaptados a novas circunstâncias, novas necessidades ou ambições...»

Vista geral da igreja
Cortesia de fundacaorobinson 

Com a devida vénia a Nuno Senos.

«As intervenções, agora quase concluídas, por que tem vindo a passar a igreja do convento de São Francisco de Portalegre com vista à sua adaptação a espaço museológico da Fundação Robinson proporcionaram ao historiador da arquitectura as condições ideais de trabalhol. Antes de mais, porque obrigaram ao levantamento de uma planta rigorosa do edifício sem a qual toda a análise se torna problemática e incompleta quando não impossível. Por outro lado, porque deram lugar a intervenções de restauro e arqueológicas que revelaram dados de outra maneira desconhecidos. E finalmente porque a remoção de revestimentos das paredes, o sonho maior de qualquer historiador da arquitectura pré-contemporânea, tornou visíveis as várias fases de construção, as alterações e mudanças, assim como as hesitações e os erros de programa, enfim todas as costuras com as quais a história deste edifício se foi cosendo ao longo dos séculos.

Planta da igreja
Cortesia de fundacaorobinson 
Todos os edifícios de alguma complexidade, como sempre o são as igrejas conventuais, resultam de um processo de construção lento em que a ideia inicial quase sempre sofre alterações antes dos trabalhos serem concluídos. Além disso, quando os edificios resistem ao passar dos anos sem serem demolidos e substituídos por outros novos ou desaparecerem, invariavelmente têm de ser adaptados a novas circunstâncias, novas necessidades ou ambições de quem os encomenda ou usa quotidianamente. Uma igreja do século XIII não respondia às mesmas necessidades, nem simbólicas nem pragmáticas, de uma sua congénere de trezentos anos mais tarde. As comunidades crescem ou diminuem, os indivíduos ou as famílias que facultam os financiamentos e as suas vontades representativas sucedem-se e alteram-se, a própria liturgia sofre modificações, e as igrejas vão sendo fisicamente transformadas para responder às suas novas circunstâncias. Assim foi, naturalmente, com a igreja de São Francisco de Portalegre de que aqui me ocupo.
Para reconstituir a história de um edifício como este, o investigador socorre-se tipicamente de três tipos de fontes:
  • as escitas,
  • as iconográficas,
  • o próprio edifício.
No presente caso, não foram localizadas quaisquer representações visuais da igreja que acrescentassem algo àquilo que o próprio edifício, tal como o vemos hoje, jâ nos diz.

Restos do arco cruzeiro gótico
Cortesia de fundacaorobinson
A informação escrita também não é especialmente rica e suscita quase tantas perguntas quanto respostas. Resta, portanto, o edifício mesmo, esse sirn pleno de informação que a remoção dos rebocos, o cuidadoso restauro dos frescos agora dotados de renovado brilho, a nálise dos materiais de construção, as escavações
arqueológicas e, finalmente, o levantamento rigoroso da planta, acrescentaram exponencialmente, revelando todas as cicatrizes inevitavelmente criadas por cada nova campanha construtiva. É, portanto, essa informação patente nas próprias pedras do edifício e nas argamassas que as cobrem, brancas ou polícromas, lisas ou esculpidas, que procurarei sistematizar nos parágrafos que se seguem.

Uma última nota introdutória para advertir que, se é certo que a matéria mesma do construído responde a muitas perguntas, não é menos certo que também levanta questões que ficarão por responder. Umas e outras serão adiante explanadas, ficando as hipóteses de trabalho apontadas como tal e as dúvidas neste momento insolúveis, naturalmente, por resolver.

Arco gótico de acesso ao claustro
Cortesia de fundacaorobinson 
A igreja gótica
As fontes escritas são pouco seguras quanto à data de fundação do convento Franciscano de Portalegre, oscilando as várias sugestões que se podem colher na bibliografia entre o reinado de D. Sancho II e o de D. Dinis. Para o que aqui nos interessa, importa reter que o documento mais antigo que se conhece relativo ao convento data de 1266 e mostra que já então, isto é, no reinado de D. Afonso III, havia frades a viver na zona e, poucos anos depois, em 1271,este monarca deixou dinheiro aos frades de Portalegre no seu testamento. Estas notícias permitem estabelecer uma cronologia aproximada para o arranque das obras, e mostram ainda que o convento foi, desde o início, obra de protecção régia.

Aquilo que se pode ver no edifício aponta na mesma direcção. Na verdade, a igreja que hoje se visita resulta sobretudo de três momentos construtivos, mais do que propriamente campanhas, já que não é certo que em cada um daqueles tenha decorrido apenas uma destas, um medieval, outro no século XVI, e finalmente outro já do século XVIII. Entre outras consequências a que adiante farei referência mais detalhada, esta última campanha substituiu a capela-mor e alterou profundamente a nave da igreja. Esta reconfiguração fez-se em
parte por demolição de estruturas anteriores, mas também através da construção de novas paredes em torno das mais antigas, preservando estas últimas no seu interior. Foi isto que aconteceu no arco cruzeiro, por exemplo, como ficou patente agora, com as obras de recuperação. O arco cruzeiro é hoje de volta perfeita mas a remoção do reboco das paredes que lhe correspondem, do lado do transepto, tornou visíveis as mísulas e os segmentos de coluna com os respectivos capitéis, sobre os quais assentam os arranques do arco quebrado, também preservados, que correspondiam ao arco cruzeiro do edifício original». In Nuno Senos, A Igreja do convento de S. Francisco de Portalegre: história de um edifício, Fundação Robinson, Publicação 1o, 2009, ISSN 1646-7116.

Cortesia de Publicações da Fundação Robinson/JDACT