terça-feira, 12 de abril de 2011

Bernardim Ribeiro: História de Avalor e Arima. «... Quanto mais se ia alongando, se ia alongando o soar; de seus ouvidos aos olhos a tristeza foi igualar...»

Cortesia de wikipedia 

Pola ribeira dum rio
que leva as ágoas ao mar,
vai o triste de Avalor;
não sabe se há-de tornar.

As ágoas levam seu bem,
ele leva o seu pesar.

Só vai e sem companhia,
que os seus for leixar;
que quem não leva descanso,
descansa em só caminhar.

Descontra onde ia a barca,
se ia o sol abaixar;
indo-se abaixando o sol,
escorecia-se o ar.

Tudo se fazia triste
quanto havia de ficar.

Da barca levantam remos
e, ao som do remar,
começaram os remeiros
do barco este cantar:

Que frias eram as ágoas!

Quem as haverá de passar!,

Dos outros bancos respondem:

"Quem as haverá de passar,
senão quem a vontade pôs
onde a não pode tirar."

Trás a barca o levam olhos
quanto o dia dá lugar;
não durou muito, que o bem
não pode muito durar.

Vendo o sol posto contra ele,
soltou os olhos ao chorar,
soltou rédea a seu cavalo
deu beira do rio a andar.

E a noite era calada
pera mais o magoar,
ca o compasso dos remos
era o do seu sospirar.

Querer contar suas mágoas
seria areas contar.

Quanto mais se ia alongando,
se ia alongando o soar;
de seus ouvidos aos olhos
a tristeza foi igualar.

Assi como ia a cavalo
foi pela ágoa dentro entrar,
e dando um longo sospiro,
ouvira longe falar:

"Onde me ágoas levam alma
vão também corpo levar",

Mas indo assi por acerto
foi c'um barco n'ágoa dar
que estava amanado à trra
e seu dono era a folgar.

Salta assi como ia dentro
e foi a amarra cortar;
a corrente e a maré
acertaram-no ajudar.

Não sabem mais que foi dele,
nem novas se podem achar.

Sospeitou-se que era morto,
mas não é para afirmar,
que não no embarcou ventura
para isso o só guardar.

Mas são ás ágoas do mar
de quem se pode fiar.
Bernardim Ribeiro

Cortesia de ftpinfoeuropaeurocid

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