Cortesia de brasiliana
As cartas como documento histórico.
«As cartas de Vieira têm sido lidas principalmente como documento histórico, o que é perfeitamente justificado pela riqueza de informações que contêm acerca da vida do autor e da sua época. António José Saraiva baseia essencialmente no texto das cartas o seu trabalho intitulado «O P. António Vieira e a liberdade dos índios», trabalho em que analisa o desenrolar do que foi um dos grandes combates da vida de Vieira.
Mas também para a história política do nosso século XVII abundam materiais nestas cartas escritas por um homem que em boa parte fez a história do seu tempo que pertence ao Brasil.
Um homem apaixonado pelas questões da res publica, pelos meandros da diplomacia, pelas intervenções nas esferas do poder deliberativo. Se é certo que as cartas de Vieira nos dão a imagem de um homem apaixonado por várias causas, política é talvez a palavra que unifica os diversos objectos da sua paixão.
Cortesia de pobrevirtual
O apaixonado empenhamento de Vieira nas questões políticas, expresso na acção e na escrita, unifica no seu pensamento o pendor pragmático e a utopia messiânica, ilumina as diversas facetas da sua vida. De tal modo que uma semana antes de morrer, com 90 anos, cego e quase completamente surdo, ainda dita cartas em que manifesta a sua preocupação pelas consequências políticas e tece considerações sobre o preço do açucar, denunciando a injustiça de uma política económica que explora os recursos do Brasil.
As cartas como auto-retrato.
Estas cartas narrativas de Vieira, apresentam o autor como protagonista da acção narrativa:
- como sujeito de um agir, quase sempre triunfante, mas também como sujeito de um falar, dominando pela palavra situações difíceis ou conflituosas.
O dolorido amor por uma pátria que se vê na decadência devido à insensatez de quem a governa exprime-se sobretudo em cartas escritas de Roma ao seu amigo Duarte Ribeiro de Macedo, com quem partilha preocupações e ideias políticas.
Cortesia de lumeear
Carta CLXXX
«... a maior pena que aqui padeço é ouvir falar em Portugal, porque todas as nossas acções desmerecem a nossa fortuna, quando a pudéramos por todas vias adiantar ao sumo auge da felicidade e grandeza. Mas, como o que há basta para a ambição dos presentes, não querem aventurar nada com a esperança, porque possuem o que nunca esperaram.
( ... )
Eu li os meus dois fôlegos, que a doçura do estilo não me consentiu fazê-lo com menos sofreguidão. Aprendi muito, e o maior encarecimento que posso dizer do meu gosto é que não invejei nada, sendo que conheci que não sei falar português. Não sei se faz bem aos príncipes saberem que têm tão altas descendências ...».
Roma, 30 de Junho de 1671. De V. S.ª capelão e criado. António Vieira.
Cordesia de Fundação Calouste Gulbenkian/JDACT