Cortesia de temasedebates
A Irmandade de Moura
«D. Beatriz juntara outras crianças no castelo de Moura para entretenimento dos príncipes e de seu filho mais novo. Alguns deles brincavam preferencialmente com D. Manuel. Afável, o jovem olhava de longe a prima D. Isabel, prometida a D. Afonso, seu sobrinho, e divertia-se como podia, no intervalo das lições. A rapaziada olhava para o futuro como um livro aberto onde todos esperavam vir a inscrever seus nomes em letras de ouro.
Outros rapazes de maior qualidade acompanhavam normalmente o príncipe D. Afonso, o futuro rei. Caber-lhe-ia o trono quando seu pai, o rei D. João II, falecesse. Empertigados, mesmo petulantes, preferiam juntar-se ao pequeno Afonso, que ia em seus sete anos, e não ligavam ao jovem Manuel, que já ia nos treze. Este, ao contrário do príncipe, era um aristocrata com um futuro incerto. Beneficiava de uma tença anual de quinhentos mil reais, quantia avultadíssima para a maioria, mas uma ninharia para quem era bisneto d'el-rei D. João I, o da batalha real, e neto do eloquente rei D. Duarte. Deles descendia por linha legítima e varonil, ao contrário dos todo-poderosos Braganças, que tinham ducados, marquesados e condados. Era verdade que, por enquanto, D. Manuel era também o herdeiro do ducado de Viseu, cujo titular era seu irmão, D. Diogo, mas essa situação terminaria no dia em que D. Diogo casasse e gerasse seus próprios herdeiros. Por isso, enquanto tutelava os reféns das terçarias, D. Beatriz pedia insistentemente ao rei que concedesse o governo do mestrado de Avis a seu filho mais novo, mas el-rei D. João evitava dar uma resposta definitiva, apesar de sua esposa, a rainha D. Leonor, também interceder pelo pequeno, que era seu irmão. Assim, os fidalgotes comentavam que talvez D. Manuel um dia viesse a ter um senhorio e um título, mas nada que se comparasse à glória e ao poder que estavam prometidos a D. Afonso.
Cortesia de pedroalmeidavieira
No entanto, D. Manuel acabara por agregar um grupo de companheiros, rapazes que pela sua condição não aspiravam a ser favoritos de um rei ou que, simplesmente, se haviam apegado àquele jovem mais discreto. Os romances de cavalaria seduziam-nos e as lendas do rei Artur eram suas favoritas.
Um dia, quando o frio começava a apertar nos finais de Novembro, após uma correria atrás de uma bola, estavam todos deitados sobre a erva olhando pachorrentemente para a extensa paisagem dos montados, agitada nalguns pontos pelo enxame de gente que se dedicava à apanha da azeitona. Os cabeços para as bandas de Alqueva escondiam o Guadiana, que corria bravio nesse tempo, depois de duas semanas de fortes chuvadas. Da fortaleza via-se, contudo, o Ardila na sua caminhada para a confluência com o grande curso de água que se preparava para cair com estrondo no «Pulo do Lobo», antes de escorrer até ao oceano depois de refrescar as vilas de Mértola, Alcoutim e Castro Marim. No ar ecoava o som das pancadas certeiras do ferreiro e o mugido das vacas que regressavam lentamente ao estábulo.
Cortesia de temasedebates
A certa altura Rui de Sá assobiara estridentemente e todos começaram a imitar o grunhido dos porcos, ao mesmo tempo que agitavam o nariz fieneticamente. Vasco de Melo olhara para os outros, meio aborrecido, meio divertido, e atirara uma pedra certeira à testa do primeiro provocador. Rui de Sá passara do grunhido ao gemido e depois à perseguição ao Melo, que corria, qual perdigueiro, atrás da caça. Mas na verdade era Vasco a presa e acabara por ser agarrado e levado aos ombros pelo amigo. Depois de uma luta própria da idade tudo terminara com novas gargalhadas. Havia uma semana que o nariz de Vasco de Melo começara a tremer. Não conseguia explicar a razão, mas tinha sempre tiques». In João Oliveira e Costa, O Império dos Pardais, Editora Temas e Debates, 2008, pág. 93-95, ISBN 978-972-759-993-6.
Cortesia Tema e Debates/JDACT