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Memorial do Convento.
«Em entrevista a O Diário de 25 de Maio de 1980, Saramago afirmava ter em mãos dois projectos: «O Ano da Morte de Ricardo Reis», que contava publicar em 1981, e «O Convento». Na prática, não só ele estava já a trabalhar no roteiro de «Viagem a Portugal», mas também a ordem cronológica dos projectos mencionados foi invertida, pois «O Ano da Morte de Ricardo Reis» só sairia em1984 e o outro passou a chamar-se «Memorial do Convento», aparecendo logo em 1982.
«Viagem a Portugal» cumpriu uma importante função na vida de Saramago, na medida em que terá sido uma tarefa bem remunerada e permitido libertar um pouco o autor da urgência de ganhar dinheiro via traduções. O livro foi encomendado pelo Círculo de Leitores e facilitou a profissionalização do autor como escritor que aceitava o trabalho sob a condição de desenvolver um itinerário subjectivo e literário sem as peias dos roteiros e guias normais. Entre Janeiro e Setembro de 1980, Saramago calcorreou o País numa perspectiva livre em cujo seio certos marcos obrigatórios do turismo urbano, patrimonial e paisagístico se combinavam com largos percursos por aldeias, serras, monumentos, costumes e gentes pouco familiares para boa parte dos próprios leitores portugueses.
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Aldeias como Adeganha, Romeu, monumentos como os capitéis da Igreja de São Cristóvão de rio Mau ou a igreja românica de Fonte de Arcada, rios, ribeiros e ribeirinhos como Antuã, Ínsula ou Caima, gentes como Daniel São Romão e a sua mulher num quotidiano feito de ritmos ancestrais e quase pré-capitalistas na povoação de Rio de Onor. Nas palavras de Saramago, o livro era também uma viagem a um País que acabava. Entretanto, o «Memorial do Convento» ia crescendo. O escritor instala-se algum tempo numa pensão da Ericeira e vai frequentemente de autocarro até ao Convento de Mafra, observando e investigando tudo quanto pode no monumento. Na Biblioteca Nacional e no Museu da Cidade de Lisboa, lê várias obras e consulta documentos para reconstituir o Portugal setecentista e uma ou outra figura histórica do romance. Entre estas obras, estavam, por exemplo, livros do próprio Bartolomeu de Gusmão, o padre inventor do romance. De Janeiro a Julho de 1982, redige a obra e a Editorial Caminho lança-a no mercado a 4 de Novembro. Com mais de dez edições e 50 000 exemplares vendidos em apenas dois anos, foi «Memorial do Convento» que consagrou definitivamente o nome de Saramago no panorama literário português e na própria cultura internacional.
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Para fazer uma ideia mais precisa do seu impacto na projecção pública do autor entre nós, talvez seja suficiente dizer que nem sequer o êxito alcançado antes por «Levantado do Chão» impediu que o «Memorial do Convento» começasse com uma tiragem de apenas 5000 exemplares, mas que depois dele «O Ano da Morte de Ricardo Reis» (1984) vendeu logo cerca de 20 000 exemplares em apenas um mês e «Jangada de Pedra» teve uma primeira edição de 40 000 exemplares, algo inédito para o mercado livreiro português. Entre o circuito mais restrito dos «pares» mereceu logo vários prémios, nomeadamente os do Pen Club e do Município de Lisboa, e causou uma certa perplexidade o facto de o Prémio da APE, então o mais importante concedido em Portugal, não coroar a recepção entusiástica da obra.
No estrangeiro, a obra também teve excelente acolhimento. Até ao fim dos anos 80, o «Memorial do Convento» já estava editado em quinze países e traduzido em doze idiomas, tendo mesmo alcançado apenas em dois anos (1986 e 1987) três edições em castelhano e catalão numa altura em que a sua conhecida relação umbilical com Espanha ainda não estava assente. Do romance tiraria o famoso compositor italiano Azio Corghi uma versão para ópera que foi levada ao palco no mítico «Teatro alla Scala» de Milão, em Maio de1990. E foi também graças a ele que The New York Times começaria a popularizar o nome do escritor enquanto uma das vozes mais originais das letras à escala mundial, que Harold Bloom, um dos mais conhecidos teóricos e críticos literários das últimas décadas, o incluiria entre os autores que contribuem para o cânone da literatura mundial ou que, num episódio pouco conhecido, uma produtora cinematográfica dos USA ofereceu a Saramago um contrato milionário de meio milhão de euros pelos direitos de adaptação da obra ao cinema, o que ele recusou». In Biografia José Saramago, João Marques Lopes, Guerra e Paz Editores, ISBN 978-989-8174-52-9.
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