Cortesia de paineis
Painel dos Cavaleiros.
Parte 1.
Cortesia de paineis
Um painel de individualidades
«Se no painel do Arcebispo se destaca uma intenção de igualização das figuras principais, no painel «dos Cavaleiros» parece destacar-se uma intenção oposta, ou seja, a de caracterizar as quatro figuras principais de forma altamente individualizada, resultando a singularização de cada uma delas ainda mais acentuada pela presença do friso de figurantes do último plano, absolutamente idênticos entre si, no vestuário, aparência e ausência de caracterizações emblemáticas.
É talvez uma boa ocasião para de novo sublinhar a distinção funcional entre as figuras principais e os frisos de figurantes, porque em nenhum painel ela é mais acentuada do que neste. O papel dos quatro figurantes recuados é sobretudo o de, por um lado, serem contados e estruturarem uma continuidade horizontal com os frisos semelhantes dos painéis da Relíquia e do Arcebispo, ambos repletos de figuras eclesiásticas; e, por outro, o de destacarem as figuras realmente importantes do painel, através do contraste entre os dois grupos. É muito possível, se não mesmo provável, que as feições dos quatro figurantes tenham correspondido apenas a modelos de ocasião presentes no círculo do pintor e de quem encomendou a obra, enquanto é praticamente certo que as quatro figuras destacadas correspondam de facto a personagens históricas de primeira grandeza.
Cortesia de paineis
Encontram-se, nos quatro cavaleiros deste painel, algumas das principais chaves que confirmam a hipótese de uma charada cuja lógica passa, não só pela estrutura global da composição, mas por toda uma carga simbólica condensada em pequenos objectos e pormenores com cargas de sinais contrários. Enumeremos pois as diferenças básicas entre as figuras:
- Cada cavaleiro enverga uma cor distinta (roxo, verde, vermelho, negro).
- Cada espada está decorada com fios de cor diferente (dourados para o cavaleiro verde, prateados para o vermelho, negros para o roxo).
- O vestuário dos quatro é completamente distinto, não existindo sequer dois barretes da mesma cor.
- Cada cavaleiro mostra objectos que o distinguem de forma clara: uma pérola e uma cruz partida pendentes do pescoço, respectivamente para os cavaleiros verde e roxo, um capacete único para o negro, uma pequena bolsa pendurada no cinturão para o vermelho.
Mesmo os traços que são comuns a alguns dos cavaleiros parecem distingui-los em termos psicológicos das duas figuras de barretes roxos e trajes idênticos do painel do Arcebispo:
- os seus rostos traduzem carácter e assertividade, ao invés da humildade e simplicidade que prevalece no painel do Arcebispo.
Procuramos evitar as areias movediças da interpretação fisiognómica, mas salientamos, apesar de tudo, que um retrato pintado por um pintor hábil é um guia mais seguro do carácter, verdadeiro ou atribuído pelo pintor, do retratado, do que uma fotografia das suas feições reais que pode captar um instante transitório e enganador.
Cortesia de paineis
Se as feições dos homens de barrete roxo no painel do Arcebispo estiverem de acordo com os modelos originais, mais parecerá que o pintor teve a intenção de sublinhar a simplicidade e, porque não dizê-lo, falta de inteligência (repare-se no olhar vago e mortiço do da direita) do que de atenuar a sua fisionomia infeliz. No caso dos cavaleiros, no entanto, a impressão é bem diferente: as expressões não são idênticas, mas em nenhum deles deparamos com semelhante apagamento, com semelhante ausência de individualidade e energia.
O contraste entre os retratos dos cavaleiros e os das principais figuras do painel central que lhes é contíguo, é pois mais uma pista para a compreensão do todo». In Painéis de São Vicente de Fora.
Cortesia de paineis
Cortesia de Painéis/JDACT