Cortesia de dedportosdeferro
O Bardo, Jornal de Poesias Inéditas. 1854
Typographia de Sebastião José Pereira
Eis ahi mais um jornal
De versos, á luz do dia!
E ninguem tome isto a mal;
Haja, ao menos, de poesia
Abundancia em Portugal.
Esses vates, escolhidos,
Que nesta empreza afanosa .
Se acham, comigo, envolvidos,
Pela Iyra sonorosa
Se tornaram conhecidos.
Foi isso que me excitou
Leda esp'rança, e se inda espero
Vir a ser o que não sou,
Com licença — tambem quero
Fazer versos arrumou.
Não vem de taes intenções
A meu nome algum desdouro;
Tambem tenho pretenções
A c'rôas, se não de louro,
Ao menos, de dez tostões.
O Bardo. Número 1.
Se a gloria tambem fascina
Se a gloria tambem fascina minha fraca intelligencia,
Que importa, se ha gente fina,
Que ás vezes cáe na demencia
Por causa da tal menina?...
Que tem que me fira a mão
D'uma critica irrisoria?
Em religiosa funcção,
Tambem quem assiste á Gloria,
Já sabe que tem sermão.
Tudo, portanto, reclama
Que eu prosiga neste intento;
Sou homem, aspiro á fama,
E assim, sem mais comprimento.
Eis-aqui o meu programma.
D'afamados escriptores
Pilharei lanças, arnezes,
Estrellas, prados e flores;
Té roubarei muitas vezes
A paciencia aos meus leitores.
A argentea luz do luar,
As arcadas e obeliscos,
Rochedos, ondas do mar,
Rouxinoes, pardaes e piscos,
Não ficarão por cantar.
Cantarei a acção guerreira
Do campeão altivo e dextro;
E estando a Musa ronceira,
Me virá soprar ao estro
A dôce briza fagueira.
Tambem as Ellas, mimosas
Hão-de ao vate apaixonado
Arrancar trovas queixosas,
Embora o novo penteado
As faça par'cer tinhosas.
Soltarei sentidas queixas
Por lhe terem já fugido
Aquellas lindas madeixas,
Que antes tinham concorrido
P'ra formar ternas endeixas.
Lamentarei que as donzellas,
Por que a moda, em seus rigores,
Quer tornar feias as bellas,
Mostrem testas bicolores,
Co a falta das bambinellas.
Pedirei com devoção
Que as meninas mais janotas,
De colletes de fustão,
Não se apresentem de botas,
Com espóra no tacão.
Pela patria desditosa,
Ouvirá todo o Universo
Minha voz triste e queixosa,
Que muito ha quem negue em verso
Aquillo que prova em prosa.
Ao som da lyra cadente,
Misturarei com meus ais
A' saudade atroz, pungente,
Versos tão sentimentaes,
Que farão rir toda a gente.
Pedirei ao ceo piedoso,
Que a não livrar da amargura
O meu viver tormentoso,
Me encaixe na sepultura,
Longe do Mundo enganoso.
E dando forte massada,
D'hoje a moda seguirei,
Em tudo romantisada,
E tanta cousa direi,
Que, por fim, não direi nada.
F. de Novaes.
metalloween
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