Cortesia de foriente
Introdução
Erudição
«A edição sistemática dos trabalhos que se encontram dispersos de Charles Ralph Boxer inicia-se pela apreciação dos seus interesses eruditos. Por isso, este primeiro volume é constituído pelo valioso catálogo da sua biblioteca, seguindo-se-lhe outros inventários relativos à tipografia portuguesa no Oriente e a fundos documentais ou bibliográficos específicos. Trata-se de trabalhos que assinalam uma preocupação constante de levantamento crítico das fontes respeitantes à História da Expansão Europeia, os quais foram acompanhados por outros destinados à sua edição, bem como por uma série de balanços ou estados da questão. Através deles, será possível reconstituir uma dupla atitude de valorização das fontes e de reflexão crítica sobre a maneira de fazer história. Mas, se os interesses eruditos caracterizaram uma primeira fase da carreira do historiador, nascido a 8de Março de 1904 na ilha de Wight e que ingressou em 1923 no Regimento de Lincolnshire, eles continuaram a manifestar-se até aos nossos dias. Em 1947, depois da passagem à reserva do oficial do exército britânico e da aceitação da prestigiada cátedra - "Camões Professor" - no King's College da Universidade de Londres, as obras de síntese sobre a expansão portuguesa e holandesa no Oriente, bem como as investigações sobre o Brasil colonial vieram somar-se aos trabalhos de base erudita e, longe de afectar a sua continuação, serviram de estímulo a novas descobertas, levando a um cada vez maior alargamento dos livros e documentos a coleccionar e publicar.
Cortesia de plumsite e foriente
Neste volume, a reedição da “Bibliotheca Boxeriana” assinala um dos momentos mais altos da erudição desenvolvida pelo historiador, que também se revela um apaixonado coleccionador e antiquário. O opúsculo, que se transformou ele próprio numa espécie bibliográfica raríssima, desejada por tantos outros coleccionadores, marca também a capacidade de conjugar uma carreira militar ao serviço do Império Britânico com uma vocação de historiador de outras formas de imperialismo, muito em particular as que envolveram portugueses e holandeses no Extremo Oriente. Não valerá, por ora, a pena reflectir aprofundadamente sobre o interesse pelos empreendimentos ultramarinos de duas nações europeias, à primeira vista tão excêntricos em relação à expansão inglesa. Tão-pouco será, aqui, apropriado questionar o sentido desta preocupação pelas formas de expansionismo europeu, muito em particular as suas ligações ao Japão e à China ou, em menos escala, no que diz respeito ao oceano Índico. No entanto, fica aqui registada a hipótese de que para o Oficial do exército britânico a investigação histórica sobre os impérios constituía uma forma de descentramento em relação ao presente, e simultaneamente um modo de compreendê-lo melhor baseado em comparações. É também de notar que o estudo da expansão de portugueses e holandeses no Oriente, nos longínquos territórios de Macau, Formosa, Nagasáqui ou, de um modo menos acentuado, na Índia, se iniciou ainda quando o autor se encontrava estacionado na Europa, muito em particular na Irlanda do Norte. Podendo, por isso, dizer-se que o projecto de fazer história de Charles Ralph Boxer não foi determinado pelas colocações ultramarinas impostas pela sua carreira militar; pelo contrário, a sua missão no Oriente deve ser vista mais como uma consequência de interesses intelectuais já anteriormente manifestados. De facto, a aprendizagem de línguas, caso do japonês, português e holandês, desenvolveu-se em paralelo à publicação dos primeiros trabalhos, de forte componente documental, e ao coleccionismo das primeiras peças bibliográficas e manuscritas.
Cortesia de abcd e foriente
Quando, em 1930, Boxer foi destacado como oficial no Japão, contava já com mais de uma dúzia de trabalhos publicados, com destaque para os artigos consagrados às relações dos europeus com o Japão. Nesse mesmo ano, saíram os seus dois primeiros livros, constituídos pela edição crítica de traduções seiscentistas do português e holandês. Este interesse em publicar livros ou panfletos sobretudo em inglês, mas também na língua portuguesa, conduziu a outros resultados nos doze anos que se seguiram, culminando na publicação do manuscrito do frade arrábido, José de Jesus Maria, “Azia Sinica e Japonica”. Neste contexto, é de notar que a interessante nota bibliográfica que escreveu em 1931 para a colectânea sobre as relações de ingleses e holandeses com o Japão, a qual tinha sido deixada em manuscrito desde inícios do século XIX por Peter Pratt, sugere que os artigos e documentos já publicados, até essa data, obedeciam a um plano de investigações mais amplo que se baseava num elevado grau de familiaridade com as fontes primárias e secundárias. Boxer afirmava-se, assim, como um erudito historiador, particularmente atento às fontes e às questões bibliográficas, para além de se impor como um especialista em traduções.
De facto, em 1933, foi promovido a oficial intérprete de japonês. Seguindo-se, em 1936, a sua nomeação para os serviços secretos localizados em Hong-kong, paralelamente, nesse mesmo ano, saiu à luz em Haia aquela que pode ser considerada a primeira obra de síntese de Boxer, o ensaio sobre a influência dos holandeses no Japão. Boxer permaneceu em Hong-kong até 1941, data em que foi feito prisioneiro de guerra e transferido para o Japão, depois de ter sido ferido em combate». In Charles Ralph Boxer, Opera Minora I, Erudição, Edição de Diogo Ramada Curto, Fundação Oriente, 2002, ISBN 972-785-039-1.
Cortesia de Fundação Oriente/JDACT