Cortesia de ippar
O Sítio
«Castelo de vide constitui um daqueles sítios, únicos, em que a Natureza de imediato convida à fixação humana. O relevo, a hidrografia e o clima são os três elementos definidores dessas peculiares condições do meio ambiente, mas é sobretudo o primeiro, através da presença tutelar da Serra de São Mamede (1025 m), que mais contribui para a caracterização paisagística das terras de Castelo de Vide.
Assim, ao observador que dirige o seu olhar da vila sede do concelho para sul depara-se um horizonte eriçado de cristas rochosas, num efeito cénico que se amplifica ainda pelo facto de a povoação se implantar sobre um contraforte (607 m) da serra, e não já no seu maciço principal.
O serrilhado dessas cristas quartzíticas realça a nítida orientação sueste-noroeste da cadeia montanhosa e é bem demonstrativo da influência dos processos geológicos ali actuantes há centenas de milhões de anos. A chamada “Orogenia Hercínica”e a própria erosão diferencial são citadas pelos especialistas como os fenómenos mais importantes na geologia da zona, havendo ainda que referir a ocorrência de certas “falhas”, entre as quais se destaca a de “Castelo de Vide”, a extensa fractura que deu origem ao desenho desencontrado que a cumeada montanhosa ostenta 1,5 km a sueste da capela de Nossa Senhora da Penha.
Além dos quartzitos, uma outra rocha que ali ganha particular expressão é o granito, que aflora rigorosamente por exemplo na vertente setentrional do núcleo muralhado de Castelo de Vide. Depois, de modo disperso é possível reconhecer a existência de xistos, de grauvaques e de calcários, e é precisamente um vasto depósito calcário que surge ao pé da aldeia de Escusa. Aí se pode visitar uma impressionante pedreira (abandonada nos anos 60 do século XX) e um grande número de fornos, todos construídos propositadamente para fabricar “cal preta e branca” com a matéria-prima que esses calcários constituíam.
O castanheiro assume a sua presença em redor de C. de Vide
(foto de Manuel Ribeiro)
Cortesia de ippar
Para norte do povoado de Castelo de Vide o terreno muda de feição, tornando-se globalmente plano, embora a sua topografia conserve algumas zonas mais acidentadas. Esse amplo espaço, com cerca de 15 x 15 km, abarca as quatro freguesias do concelho entre elas a de Póvoa e Meadas (dantes com estatuto municipal independente), indo rematar contra os domínios de Nisa-Montalvão e contra o rio Sever no trecho em que a fronteira é definida pelo seu curso. Nessa parte do território de Castelo de Vide, onde aliás os solos, delgados e pedregosos, têm um muito menor potencial agrícola, descobre-se uma afinidade mais evidente com as extensões abertas do restante Alentejo. Todavia, essa semelhança é até certo ponto enganadora, porque, se o termo do município abrange as duas grandes entidades morfológicas referidas, a montanha e a peneplanície que lhe fica a norte, não há uma exclusão mútua de ambos os sectores. Em simultâneo, convém lembrar que Portugal combina na sua personalidade geográfica traços do Mediterrâneo e do Atlântico, o que faz com que umafÍaixa intermédia do País apresente características “mistas”, sendo que, dentro dessa troca de influências (a que acresce ainda o peso da continentalidade...), a região de Castelo de Vide acaba por se distinguir de forma fecunda e em larga medida original.
Assim, se o cunho mediterrânico é incontroverso na luminosidade intensa da atmosfera, na elevada temperatura de tantos dias do ano, coberto vegetal ajustado a um perfil climático tipicamente meridional, com bosques ou montados de sobro e azinho e com outra flora arbustiva autóctone, também se identifica uma série de elementos muito diferentes, sem dúvida graças à maior pluviosidade e à maior altitude dos terrenos. Assiste-se, inclusive, ao aparecimento de frondosos castanheiros (uma das riquezas locais...) e de outras variedades arbóreas de regimes mais frios, o que proporciona uma paisagem verdejante extremamente aprazível.
Fonte dos Besteiros, ou de Fora, na margem da ribeira de S. João
(foto de Manuel Ribeiro)
Cortesia de ippar
Não admira, por isso que Castelo de Vide já tenha sido apelidada de “Sintra do Alentejo”, em todo o lado surgindo alguma sombra acolhedora. De “pomares, quintas e hortas”, havia mais “de duzentas” no começo do século XVIII, num quadro que, especialmente junto a duas das principais ribeiras que sulcam o espaço concelhio, as de São João e de Vide, dir-se-ia quase o de um oásis, com múltiplas fazendas a disputar entre si esses terrenos de maior fertilidade. Repare-se que as ditas ribeiras são afluentes da margem esquerda do Sever, pelo que só mais adiante as suas águas alcançam as do Tejo (perto do lugar espanhol de Cedilho), enquanto a Ribeira de Nisa, que passa mais a ocidente no concelho ali vai desaguar directamente.
Que a distribuição dos pontos com água condicionou a escolha dos sítios a ocupar é um fenómeno que a própria toponímia ilustra em nomes como os de “Água Formosa”, “Ribeiro da Fonte”, “Ribeirinho”, etc., sendo por outro lado óbvio que essa opulência hídrica de Castelo de Vide se deve à contiguidade da Serra de São Mamede. E daí não resultaram vantagens exclusivamente para a agricultura, pois outras actividades houve, como a criação de gado, a indústria dos panos de lã ou a caça, que disso beneficiaram, percebendo-se que a abundância de água permitia a manutenção dos prados, o accionar dos engenhos de pisões e moinhos, e a atracção das espécies cinegéticas mais valiosas. Destas, muitas ainda ali têm o seu habitat, integrando a lista de fauna protegida do “Parque Natural da Serra de São Mamede”. Mediante uma ligeira adaptação de escala e de tempo manter-se-á, assim, válido o que um antigo relato nos diz acerca da zona das Meadas:
- que a mesma era de enorme abastança para a “caça de javalins, veados, coelhos, perdizes”.
É este o panorama geral da região de Castelo de Vide, mas não se pode ignorar que também o Homem desempenhou um papel decisivo na modelação da paisagem. Isto é, se a “alma” das gentes locais deve muito à sua “terra”, de igual forma esta acusa a acção das sucessivas gerações que nela viveram e labutaram. Disso nos dá um esplêndido testemunho a arquitectura dos seus núcleos urbanos e das suas fortificações, legado que aqui se toma como objecto central de análise». In Pedro Cid, As Fortificações Medievais de Castelo de Vide, IPPAR, Ministério da Cultura, 2005, ISBN 972-8736-86-X.
Cortesia de IPPAR/Ministério da Cultura/JDACT