domingo, 23 de outubro de 2011

Paulo A. Loução. Portugal, Terra de Mistérios: «Nas civilizações da antiguidade, o conceito de religião era muito diferente daquele que vigora nos nossos dias. A religião era a instituição que tinha em seu poder a ciência dos assuntos divinos e “religava” o céu e a terra, o divino e o humano»

Cortesia de movv

Porquê “Terra de Mistérios”?
«É de facto uma vida nova, e uma alma nova, a que se ganha no contacto com estes mistérios e o modo, o tipo, a forma dessa vida nova, não se pode expor nem explicar, pois como é vida propriamente, e não propriamente ideia, não é transmissível verbalmente, nem ainda pelas palavras que claramente dissessem os seus mistérios, se tais palavras se devessem, ou sequer pudessem, dizer ou escrever». In Fernando Pessoa.

O título desta obra nasceu graças à convergência do que sentimos, ao percorrer numerosos “lugares” imbuídos desse 'hálito' arcaico-mistérico; e do contacto com a força espiritual que impregnou os “símbolos do Portugal Mítico”. Adoptamos as duas significações da palavra “mistérios”:
  • a actual, que faz equivaler mistério a algo enigmático;
  • a antiga, que encerra um profundo sentido esotérico.
De acordo com o significado original, antigo, percepcionamos remanescências dessa antiga 'ciência dos mistérios' nos lugares mágicos do país e nos símbolos gravados na pedra, nos documentos e nas moedas, pelos nossos antepassados.
A palavra “mistérios” deriva do grego “muô”, 'fechar a boca', uma alusão ao voto de silêncio imposto aos iniciados nos mistérios de todas as épocas. Na antiga Grécia, estas cerimónias eram chamadas “teletes”, fins, termo análogo a “teleuteia”, que significa morte, e consistiam, segundo Blavatsky, em "cerimónias, geralmente ocultadas aos leigos e aos não iniciados, nas quais se ensinavam mediante representações dramáticas e outros métodos, a origem das coisas, a natureza do espírito humano, as relações deste com o corpo, e o método da sua purificação e restauração para uma vida superior. A ciência física, a medicina, as leis da música, a adivinhação eram igualmente ensinadas.

Cortesia de mfmaroda

Nas civilizações da antiguidade, o conceito de religião era muito diferente daquele que vigora nos nossos dias. A religião era a instituição que tinha em seu poder a ciência dos assuntos divinos e “religava” o céu e a terra, o divino e o humano. Uma religião, para ser completa, integral, para além do culto exotérico (externo), tinha os “mistérios menores”, muito abrangentes, e os mistérios maiores, acessíveis somente a uma elite natural. A existência dos “mistérios” para além de divulgar o significado dos cultos, era essencial para a transmissão do conhecimento esotérico, que não é perceptível pela mente intelectual, mas sim pela mente espiritual. Como disse Lao Tsé no «Tao Te King»:
  • Tudo o que busques com a mente concreta no campo do não concreto [espiritual], desaparecerá diante de ti.
Nos mistérios, o discípulo passava por toda uma vivência interior que enriquecia o seu Ser. Depois, já não era o mesmo: estava mais consciente a nível espiritual. Nos relatos de sábios antigos que conheceram os mistérios, podemos constatar que os “mistagogos”, iniciadores nos mistérios, tinham um conhecimento profundo dos símbolos e da consequente arte que despertava os arquétipos em cada discípulo, em cada “mystae”, candidato.

Cortesia de mayacafe

Fernando Pessoa escreveu sobre a dupla faceta, exotérica e esotérica, da religião grega: "O paganismo helénico tem duas feições:
  • a exotérica, que é a do mito popular e admite os deuses, objectivista, patente, consoante o são todas as manifestações populares e, sobretudo, todas as manifestações do espírito grego;
  • a esotérica, que o helenismo aprendia apenas nos mistérios, a parte oculta do paganismo, ligada intimamente, mais mesmo que a parte aparente e normal, aos velhos cultos e sacerdócios do Egipto e do Oriente indefinido.
Em Pitágoras emerge, afirma-se em Platão, este esoterismo pagão. É sabido que o termo pagão vem do termo latino “pagus”, que significa 'aldeia do campo', isto porque o cristianismo desenvolveu-se, de início, sobretudo nas grandes metrópoles do império romano, e só com o decorrer dos séculos os camponeses, naturalmente muito ligados aos cultos agrícolas e aos poderes da Terra, foram cristianizados, embora, muitas vezes, apenas na forma. A palavra Egipto vem do grego “Aegyptus”, a misteriosa, ou seja, era o nome pelo qual os Gregos se referiam à antiga “Terra de Khem”, pátria do hermetismo. Santo Agostinho afirmou que era crença vulgar entre os cristãos pensar-se que Jesus teria vivido no Egipto, antes de iniciar a sua missão como “Christos”.

Aliás, o mesmo terá acontecido com Moisés, sendo o Actos dos Apóstolos do Novo Testamento muito claro quando revela que “Moisés foi iniciado em toda a sabedoria dos egípcios e era poderoso no falar e no agir”. Por outro lado, o padre cristão Clemente de Alexandria sustentou que:
  • os enigmas dos egípcios, no tocante ao que encobrem, são também semelhante s aos dos hebreus.
In Paulo A. Loução, Portugal, Terra de Mistérios, Edições Esquilo, 2001, ISBN 972-8605-04-8.

Cortesia de Esquilo/JDACT