sábado, 29 de outubro de 2011

Tesouros da Literatura e História. Duarte Nunes de Leão. Chronica del rei D. Afonso Henriques: «Pela authoridade dos antepassados padres somos amoestados, que tudo aquillo que quisermos ser firme & valioso, per escripturas publicas o encommendemos aa memoria, assi dos presentes, como dos que ao diante forem. Polo qual eu a Rainha Tareja…»

Cortesia de andancasmedievais

NOTA: Texto na versão original

«Per morte do conde Dom Henrique ficou a Rainha Dona Tareja sua molher em posse & cabeça do reino, como senhora proprietaria que era delle,por el Rei Dom Afonso seu pai lho dar em dote. O qual ella administrou & gouernou os annos que viueo despois da morte de seu marido, que forão dezoito annos, segundo se auerigou. Sob cuja gouernança & administração ficarão o Infante Dõ Afonso seu filho, & suas filhas Dona Sancha, & Dona Vrraca, como se vee do testamento & doação, que a mesma Rainha Dona Tareja fez da jurdição da cidade do Porto a Dom Hugo Bispo della no anno do senhor de M. CXX. que forão despois da morte do conde seu marido oito annos: na qual assinarão ao custume daquelle tempo os ditos seus filhos, o Infante Dõ Afonso, & Dona Sancha, & Dona Vrraca. O qual testamento & doação está registrado no tombo Real do reino, na lingoa Latina, em que naquelle tempo fazião as escripturas publicas. Do qual porei aqui o treslado em Portugues, como na see do Porto está, & della mo mandou Dom frei Marcos Bispo da mesma cidade. Porque he o mór testemunho, que póde hauer, para confutação das calumniosas fabulas, que contra aquelles principes andarão ategora no vulgo. Porque per este instrumento se vee, como a Rainha Dona Tareja não casou com dous irmãos, como logo o marido falleceo, nem sua filha Dona Sancha passou a infamia de casar com seu padrasto, sendo viua sua mai. Nem o Infante D. Afonso Henriquez teue causa de prender sua mai, senão de venerala, como sempre fez ate morte. E a doação he a seguinte.
Cortesia de purl
  • «Pela authoridade dos antepassados padres somos amoestados, que tudo aquillo que quisermos ser firme & valioso, per escripturas publicas o encommendemos aa memoria, assi dos presentes, como dos que ao diante forem. Polo qual eu a Rainha Tareja, filha do glorioso Emperador Afonso, em honra & gloria de nosso Senhor Iesu Christo, […] Doo por tanto & otorgo os sobreditas heranças, ou pesqueiras a santa Maria da see do Porto, & a Dom Hugo Bispo da dita see, & a seus successores, & faço caução firmissima per seus termos. […] Eu a Rainha Dona Tareja, filha do glorioso Emperadar Afonso, confirmo & assino esta carta, ou caução, com mintas próprias mãos, juntamente com consentimento de meu filho Afonso, & de minhas fihas Vrraca, & Sancha. […]».
Gouernaua a Rainha Dona Tareja suas terras de Portugal, & o Infante Dom Afonso seu fllho, que era mancebo, & de altos pensamentos, as defendia dos continuos assaltos, que os Mouros, que tinha por vezinhos, lhes fazião; como foi o cerco que a Coimbra veo pôr hum Rei Mouro chamado Eujuni no anno de M. CXVII. com hum exercito de tantos mil homeês, que as memorias daquelle tempo dizem ser trezentos mil, de que muitos erão de cauallo.

Cortesia de arqnet 

Mas o Infante com os que na cidade tinha, se defenderão tam valerosamente, & tanto entretiuerão os Mouros, que nelles deu hüa tam cruel peste, que cada dia lhes fallecia muito numero de homeês, alem da fome, de que vierão padecer, por se lhe gastarem os mantimentos no largo tempo do cerco, cuidando elles, que em chegando tomarião a cidade. Polo que vendo os Mouros a diminuiçaõ que nelles fazia de húa parte a peste, & da outra os Christãos, & que os cercados tinhão muitos mantimentos, que lhes a elles faltauão, desesperados de tomar a cidade, leuantarão o cerco, & com grande afronta sua se forão, deixando grande parte da gente, que trouxerão, morta, com grande honra do Infante Dom Afonso, que naquelle tempo era de XXIII. annos.

Naquelle mesmo anno ajuntou o Infante algúa gente, determinando de não estar vago, & ganhar honra com os maos vezinhos, que tinha, & fez entrada pela terra de Leiria, cujo castello combateo rijamente. E posto que fosse mui forte, & os Mouros se defendessem com muito esforço, tomou o castello per força, matando aa espada os mais dos Mouros, que achou. Tomada a villa a deu ao Prior Dom Theotonio de Santa Cruz de Coimbra, que era hum homem santo, & em que elle tinha muita deuação, & a elle, & ao seu moesteiro fez doação do temporal & espiritual della, em que o Prior pôs por Alcaide Paio Goterrez, homem principal & esforçado. E tomada Leiria, proseguindo o Infante mais pela terra dos Mouros, tomou a villa de Torres Nouas, & da hi se tornou para Coimbra cõ os seus carregados de honra, & despojos.
Nestes tempos teue origem a ordem dos Templarios, que inda oje he mui embrada por o muito louuor que ganharão os primeiros caualleiros della, & o infame & lastimoso fim, que houuerão os derradeiros. E muito mais pola grande & altercada duuida de sua innocencia, ou culpa. Hauia naquelles tempos, em que da Christantlade toda ia aa guerra santa grande multidão de gentes, noue caualleiros quasi todos Franceses mui esforçados. Dos quaes soomente ficarão os nomes de Hugo de Paganis, & Gaifredo de santo Adelmaro, que tomarão por officio defender os peregrinos, que aos lugares santos ião, dos salteadores, que hauia, assi do porto de Iapha, atee a santa cidade de Ierusalem, como per outros lugares. Andando, pois, o tempo em que se vio a vtilidade, que aos Christãos vinha de seu amparo & defensaõ, & sendo ja muitos em numero, lhes foi assinado por pousada & recolhimento hum certo lugar no santo templo do sepulchro de nosso Senhor, per permissaõ do Abbade delle, donde lhes veo o nome de Templarios, ou caualleiros do templo». In Tesouros da Literatura e da História, Crónicas dos Reis de Portugal, reformadas por Duarte Nunes de Leão, Lello e Irmão, Editores, 1975, Porto.

Cortesia de Lelo e Irmão Editores/JDACT