domingo, 9 de outubro de 2011

José de Encarnação. Das Guerras Peninsulares e das Epígrafes Romanas: «A possibilidade de os dois trabalhos poderem ser publicados em conjunto ganhou corpo sobretudo quando se consciencializou, primeiro, que tratavam da epigrafia da mesma cidade romana, “Ammaia” sita em S. Salvador da Aramenha, Marvão»

Cortesia de ecolibri

Confiara-me Armin U. Stylow, há vários anos, a primeira versão de um texto que tencionava publicar em Portugal acerca de uma epígrafe que encontrara desenhada no diário de um oficial inglês, comandante das tropas anglo-lusas no decorrer da chamada Guerra Peninsular. Incitei-o, de imediato, a dar forma final ao escrito, Porquanto a epígrafe se revestia, de facto, do maior interesse, quer fosse de “Conimbriga” (como, a princípio, me pareceu que poderia ser, no contexto da III invasão francesa) quer de “Ammaia”, como, na sequência do contexto em que vem descrita, se compreedeu que seria sem margem para dúvida.

Foram dois os aspectos que, no texto, me suscitaram mais entusiasmo:
  • o primeiro, o facto de, nessa óptica de fontes para o estudo dos monumentos antigos, se poderem também analisar os diários dos militares dessa época, mormente os ingleses, a quem, por estarem num país bem diferente do seu, tudo despertava maior interesse;
  • o segundo, o estarmos perante uma inscrição honorífica em que se davam a conhecer indivíduos mui provavelmente relacionáveis com famílias conimbricenses: os “Iunii” e os “Turranii”.
Acrescia a isso a circunstância de a dedicante ser uma mulher e o homenageado um duúnviro, seu genro - o que acentuava a ideia, que vem ganhando corpo, de que as mulheres dotadas de algum estatuto social podiam lançar mão desse estratagema de homenagearem alguém da família a que se haviam ligado por laços familiares, a fim de, dessa forma, a sua família também ser recordada.

Cortesia de quintacidade

E, além do mais, estávamos perante uma “Turrania Cilea”, ou seja, alguém cujo cognome denota - como A. Srylow bem frisa - origem indígena:
  • o gentilício bem latino une-se, pois, aqui, mais uma vez, à onomástica local, o que se quadra às mil maravilhas com o que se sabe desta zona em época romana, confirmado pelo outro testemunho da família “Turrania”, de Bencatel, e pelo recente achado de Alter do Chão, da família “Sentia”, também ela documentada em “Ammaia”, em que “Sentia Laurilla” é identificada como filha de “Tanginus”, um antropónimo «lusitano».
Outras prioridades levaram Srylow a não voltar a pegar no texto e foi, de certo modo, o afã comemorativo da referida guerra, do lado de cá e do lado da fronteira, que trouxe de novo à luz do dia a oportunidade de ora se dar a conhecer o documento. No entanto, em conversa com Juan Manuel Abascal, soube Armin Stylow que se preparava a publicação do diário de um notável investigador espanhol, José Andrés Cornide de Folgueira y Saavedra de seu nome, que também se passeara por Portugal nos primórdios do século XIX e que às inscrições romanas dera particular atenção. A possibilidade de os dois trabalhos poderem ser publicados em conjunto ganhou corpo sobretudo quando se consciencializou, primeiro, que tratavam da epigrafia da mesma cidade romana – “Ammaia” - sita em S. Salvador da Aramenha (Marvão); depois, que o modo como ambos os escritores antigos encaravam a realidade era idêntico: Cornide viera a Portugal como espião militar, no intuito de saber como é que exactamente estava organizada a defesa do Reino em caso de conflito luso-espanhol, e a análise das «antiguidades», romanas podia ser para isso um excelente pretexto; Dickson era militar, estava mesmo no palco da guerra e, nas horas livres, dava conta do que de interessante e invulgar observava à sua volta...

Cortesia de govcivilportalegre

Pôs-se-nos, pois, a questão de saber onde publicar e com uma certa rapidez estes dois eloquentes documento…[…] e assim se concertou a publicação, em número especial da revista, em jeito de anexo ao datado de 2008, cabendo-me a mim o encargo de proceder à tradução de ambos os textos do castelhano para a língua portuguesa.

Dir-se-á que pouco interesse deterá a leitura de descrições ultrapassadas. Nada mais erróneo, pois, além do que se escreve nas linhas, há muito nas entrelinhas também e miúdas observações a dar conta de circunstâncias do momento que, doutra forma, poderiam ter passado por completo despercebidas. Descreve-se, por exemplo, o curso do rio Sever e o aspecto das margens; diz-se como se acedia a Marvão; como se atravessava o Tejo, de barcaça desde Aldeia Galega (antigo nome do Montijo); e, decerto para espanto de alguns leitores, fala-se, a dado passo, de Bertrand, um livreiro de Lisboa:
  • Cornide dormiu, a 26 de Julho de 1800, em Monte Novo, «em casa do feitor do meu amigo Bertrand, o livreiro de Lisboa», escreve! À primeira vista, quem há aí que poderia pensar que a referência a um vulto notável da cultura lisboeta, de que ainda hoje se nos conversa a vetusta Livraria (livreiros desde 1732), teria cabimento num relato de viagens dos primeiros anos do século XIX?».
In José d’Encarnação, Universidade de Coimbra, Marvão e Ammaia ao tempo das Guerras Peninsulares, IBN MARUAN, 2009, Edições Colibri, Câmara Municipal de Marvão, ISBN 978-972-772-876-3.

Cortesia de E. Colibri/CM de Marvão/JDACT