terça-feira, 25 de outubro de 2011

Fernando Pessoa. Páginas sobre Literatura e Estética. «… essas pontuações não deverão tender para acentuar o sentido; nunca poderão quebrá-lo ou interrompê-lo, porque a prosa, sendo a linguagem falada escrita, é, por isso mesmo, o reflexo da ideia, para cuja emissão a palavra falada existe»

Cortesia de anbogdan

Ideias sobre Teoria Literária
«Os elementos essenciais da poesia são três:
  • Sentimento,
  • Cor,
  • Forma.
O Sentimento poético e, em certa medida, a cor poética, podem ser usadas na prosa; o que especialmente distingue a poesia é a forma estética. A arte. que se faz com a ideia, e portanto com a palavra, tem duas formas, a poesia e a prosa. Visto que ambas elas se formam de palavras, não há entre elas diferença substancial. A diferença que há é acidental, e, sendo acidental, tem que derivar-se daquilo que é acidental, ou exterior, na palavra. O que há de exterior na palavra é o som; o que há, pois, de exterior numa série de palavras é o ritmo.
Poesia e prosa não se distinguem, pois, senão pelo ritmo. O ritmo corresponde, é certo, a um movimento íntimo da alma; mas como esse movimento íntimo se manifesta no ritmo, escusamos de atender a ele, ou a qualquer ele seja, no estudo do ritmo, e no da diferença entre a poesia e a prosa.

O ritmo consiste numa graduação de sons e de faltas de som, como o mundo na graduação do ser e do não ser. Quer disto dizer que o ritmo consiste numa distribuição de palavras, que são sons, e de pausas, que são faltas de som.

Cortesia de wikispaces

Às palavras, como existem, compete um ritmo de variação, dependente da extensão das palavras, da sua acentuação, da sua qualidade e quantidade silábica, e também do seu sentido, quer próprio, quer dependente das outras palavras, que lhes são contexto. Às pausas, como não existem, compete tão somente um ritmo de extensão; isto é, a pausa, como não é mais que a falta de uma coisa (o som) não tem variante senão a sua duração. A pausa é mais longa pu mais breve. Só isto.
Na prosa, que é a linguagem falada escrita, estas pausas são dadas por uma coisa a que se chama a pontuação, e a pontuação é determinada exclusivamente pelo sentido. Da pausa grande do parágrafo à pausa menor do período, à menor ainda do subperíodo, dada pelo ponto e vírgula, os dois pontos, ou traço, ou à mínima, da vírgula, toda a pausa da prosa se deriva da significação do que se diz.

Mas, em todos os casos, essas pontuações não deverão tender para acentuar o sentido; nunca poderão quebrá-lo ou interrompê-lo, porque a prosa, sendo a linguagem falada escrita, é, por isso mesmo, o reflexo da ideia, para cuja emissão a palavra falada existe». In Fernando Pessoa, Páginas sobre Literatura e Estética, Organização de António Quadros, Publicações Europa-América, ISBN 972-1-01693-4.

Cortesia Publicações Europa-América/JDACT