quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa: Carl Erdmann. «Principiou por entregar em 1094 a seu genro Raimundo de Borgonha toda a “Galiza”, até às fronteiras muçulmanas. Em 1095 separou deste reino a região que ficava ao sul do Minho, concedendo-a a seu segundo genro, Henrique de Borgonha, primo de Raimundo. É esta a origem do Condado Portucalense que só agora entra na história como um estado próprio»

Cortesia da uc

Introdução
As primeiras relações entre Roma e Portugal
«As fontes bracarenses dão-nos indícios certos de Pedro, já naquele tempo, se esforçar por recuperar os direitos metropolitanos de Braga e por subtrair-se ao domínio provisório de Toledo. Inicia os seus esforços num sínodo de cardeais (na realidade tratar-se-á apenas dum único cardeal). Esta notícia deve referir-se ao concílio de Leão que o cardeal legado Rainério de S. Clemente, o futuro papa Pascoal II, convocou provavelmente na segunda metade do ano de 1090. Mas tanto o rei como os bispos, que estavam sob a influência de Bernardo de Toledo, o também o cardeal, não corresponderam ao pedido de Pedro.
A circunstância da Galiza e Portugal ainda pertencerem a Castela e Leão, quer dizer razões políticas, impedirão o restabelecimento da metrópole de Braga.

A recente centralização da igreja peninsular, que tinha sido já prejudicada pela organização especial da Catalunha, devia manter-se pelo menos dentro do reino leonês-castelhano. A posição de Braga não era aliás bastante estável para garantir a existência duradoura duma metrópole, e Pedro também não deve ter sido pessoa grata à Santa Sé por não estar ao facto da reforma clunicense.
Não se contou porém com a ambição e teimosia daquele bispo. Se o representante do papa Urbano lhe recusava os seus direitos, existia ainda um anti-papa, Gilberto de Ravena, que continuava a manter-se na Itália, e durante algum tempo mesmo em Roma. Deve ter sido uma surpresa muito agradável para Gilberto ver aparecer, provavelmente no princípio de 1091, o bispo Pedro que vinha pedir-lhe o pálio e o privilégio de metropolita.
Porque agora o anti-papa podia gabar-se da obediência dum bispo da longínqua Espanha, onde não contava um único partidário, enquanto Urbano II já mantinha relações estreitas com este país. Pedro viu logo satisfeito o seu desejo, e regressou a Braga como arcebispo cismático.

Cortesia da uc

Foi um passo atrevido que não podia ter bom êxito. Era evidente quo o primaz Bernardo de Toledo procederia contra o rebelde e cismático, e de resto, que probabilidade tinha Pedro de se manter se o rei era contra ele? Ignora-se durante quanto tempo depois do seu regresso lhe foi possível sustentar a sua posição. Bernardo conseguiu em todo o caso depô-lo e relegá-lo para um convento.
Deu-se isto talvez ainda no concílio que Bernardo celebrou em 11 de Abril de 1092 em Husillos, ou quando muito, na Primavera de 1093. Pedro não encontrou quem o ajudasse suficientemente. O cardeal Rainério tinha razão, quando julgava que Braga ainda não estava em condições de desempenhar o papel de metrópole.

Como se vê, as primeiras relações romano-portuguesas decorriam sob maus auspícios. O pior era que depois da deposição de Pedro, a Sé de Braga ficava sem bispo durante alguns anos de desordem. Assim sucedeu: a primeira ocasião para reatar relações com a cúria e fazer esquecer o episódio de Gilberto passou inaproveitada. Esta ocasião apresentou-se, quando Urbano II veio a França nos anos de 1095 e 1096 para celebrar os sínodos de Clermont e Nimes. Muitas sés espanholas e galegas entraram naquela ocasião em contacto com a cúria ou consolidaram as relações existentes. Dalmácio de Iria-Compostela conseguiu até para a sua Sé, que desde tempos remotos era diocese sufragânea de Braga, obter a isenção, enquanto à de Braga não se fizeram concessões algumas apesar dos seus antigos direitos.

Na época, que é para a Península a mais significativa no que diz respeito à aproximação de Roma, isto é, durante os pontificados de Gregório VII e Urbano II, Portugal vive ainda completamente isolado. Só a modificação profunda da situação geral do país podia remediar este mal. Até então, Portugal tinha pertencido ao reino de Leão sem possuir qualquer organização própria. A posição dos condes de Coimbra e Porto, Sisnando e Nuno, era idêntica à doutros condes do reino de Afonso VI. As conquistas realizadas no sul em 1093 levaram o rei a reunir alguns dos condados e a transformá-los numa região fronteiriça, à qual deu o carácter de reino dependente. Principiou por entregar em 1094 a seu genro Raimundo de Borgonha toda a «Galiza», até às fronteiras muçulmanas.

NOTA: O problema do poder do conde Raimundo sobre Coimbra e Santarém está demonstrado documentalmente até Agosto de 1095. Só a partir de Dezembro do mesmo ano é que Henrique aparece como conde. Apesar disso Herculano (História de Portugal) cuja cronologia ainda hoje é aceite, colocou o começo da suzerania de Henrique nos fins de 1094 ou princípios de 1095, por ter admitido a eleição anterior de Geraldo de Braga, na qual Henrique já colaborara segundo a notícia do “ Liber Fidei”.

Cortesia de uc

Em 1095 separou deste reino a região que ficava ao sul do Minho, concedendo-a a seu segundo genro, Henrique de Borgonha, primo de Raimundo.
É esta a origem do Condado Portucalense que só agora entra na história como um estado próprio.

A evolução posterior leva a crer que o conde Henrique quis, desde o princípio, transformar o condado num estado independente. É, pelo menos, certo que exerceu no seu território uma grande influência e que lançou os fundamentos da independência futura. Esta acção faz-se sentir principalmente nas questões eclesiásticas. Parente da casa real francesa e do «abade dos abades» Hugo de Cluny, Henrique trouxe a Portugal os clunicenses franceses, que havia decénios eram os propagandistas principais da reforma no interior da Espanha. De colaboração com o arcebispo de Toledo, que entrementes havia sido nomeado legado pontifício, fez ocupar as duas dioceses portuguesas por monges franceses. Braga decadente teve como bispo o antigo monge de Moissac Geraldo, enquanto em Coimbra era entronizado Maurício, originário, ao que parece, do Limousin.

Henrique podia estar certo de que estas medidas lhe haviam de trazer assimpatias do papa, aliás já, asseguradas pelo facto de ele sustentar a luta contra os infiéis. Escusado será dizer que estes franceses introduziram no país o rito romano, acabando com o moçárabe». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.

Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT