quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Convento de Cristo. 1420 – 1521. Mais de um século. Maria José Travassos Bento. «Desconstruiu mitos e questionou teorias e lendas que se perpetuaram no tempo em redor deste monumental edifício, resgatando a sua verdadeira identidade»

Cortesia de wikipedia e jdact

Com a devida vénia à Doutora Maria José Travassos Almeida Jesus Bento

«Este trabalho de investigação teve como objectivo fundamental a verdadeira compreensão de um dos conjuntos edificados mais complexos de Portugal, no período específico entre 1420 e 1521, e que compreendeu a regedoria da Ordem de Cristo pelo Infante Henrique e por Manuel I. Alicerçou-se nas teorias enunciadas na dissertação de Mestrado em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra em 2009, intitulada O Convento de Cristo em Tomar: do Infante Henrique às empreitadas manuelinas, de que é autora. A procura da confirmação de algumas dessas teorias através da consulta exaustiva do fundo documental do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, a utilização de estudos de GPR e do acompanhamento de campanhas arqueológicas que, então, se desenvolveram no convento, permitiram a identificação de percursos e de espaços desconhecidos, numa percepção de um todo arquitectónico até aqui incompreendido. Assim, tornou-se possível a identificação, nos descontextualizados claustros henriquinos, do cumprimento rigoroso da tipologia dos mosteiros cistercienses demonstrando a intenção do Infante Henrique na sua utilização como regra e referência. Identificou-se, também, que a utilização da Charola como igreja conventual, cuja definição planimétrica contrariava a tipologia cisterciense, não impediu o cumprimento do seu plano, adaptando a planta centralizada às novas exigências pretendidas, através da inclusão do coro e das ligações obrigatórias da igreja com o dormitório, o claustro e o acesso individual dos leigos. Esta nova leitura espacial acompanha a introdução de referências do modelo cisterciense para a construção do convento, ao mesmo tempo que percepciona a introdução de um novo formulário arquitectónico na construção dos Paços do Regedor da Ordem. Esta, definiu-se pela particularidade de, pela primeira vez, o Regedor da Ordem ser um leigo não podendo, por isso, partilhar a sua residência com os religiosos conventuais, e obedeceu a fórmulas de carácter civil, cumprindo-se na íntegra, a tipologia de uma casa senhorial. A necessidade de enquadramento exterior deste paço e de articulação do antigo recinto norte da fortaleza templária, onde se instalaram o convento e o paço da Ordem com os restantes espaços amuralhados levou, entre outras intervenções, à abertura da Porta do Sol e à definição do terreiro do Recebimento. Descobre-se, assim, um convento de raiz tipológica cisterciense, que engloba na sua formação a mítica Charola templária e que funciona, durante quase meio século, segundo esses princípios vivenciais. Ao mesmo tempo, assiste-se ao funcionamento da dupla urbanidade de Tomar, através da distribuição das actividades de carácter administrativo no interior da vila amuralhada, e da exploração comercial, industrial e de hospedagem na vila ribeirinha. A tomada de consciência de que as vilas de Tomar foram fundadas pela Ordem do Templo e se tornaram pertenças da Ordem de Cristo, permitiu reconhecer a importância deste território como elemento passível de ser instrumentalizado. Assim se compreendeu a acção do infante Henrique de reconversão e dignificação dos espaços urbanos e, posteriormente, de Manuel I, com a transformação da vila amuralhada em vila clerical e a reconfiguração do espaço urbano da vila de baixo. Foi, aliás, a regedoria de Manuel I, que rompeu com a rigidez formal cisterciense e introduziu uma complexidade plástica e formal que parecia ter transformado o anterior convento cisterciense em algo meramente casuístico, ornamental e despropositado; quase, ou mesmo, megalómano. A compreensão e a leitura deste objecto arquitectónico conventual na sua relação com a vila amuralhada, na correlação com a vila de baixo e na consequente identificação enquanto estrutura de excepção no panorama nacional do final de quatrocentos e início de quinhentos, permitiu a verdadeira consciencialização do poder da Ordem de Cristo. Foi, aliás, a chegada de Manuel I à Regedoria da Ordem que imprimiu um novo fôlego nos objectivos inicialmente traçados pelo Infante, originando uma verdadeira transformação no convento e nas vilas, que se agigantaram. Novas formas materiais, técnicas e cores invadem o senhorio da Ordem de Cristo mas, acima de tudo, uma nova gestão permite transformar ferro em ouro. O convento e paço mestral invadem e preenchem toda a estrutura fortificada, e a vila intramuros, agora transformada em vila clerical, adquire a função do dormitório da clausura. A casa do capítulo manuelina e o renovado pátio do recebimento formalizam, a partir de então, a entrada de aparato na Sede da Ordem por cavaleiros e leigos, e o convento é coberto de pinturas, estuques e guadamecis; a vila clerical é recuperada e dignificada. Em simultâneo, e pela mão de Manuel I, a vila de baixo reajusta-se, redefine-se e especializa-se, transformando-se na única Tomar. A administração, a indústria, o comércio e o lazer tomam o seu lugar pré definido na nova Vila, que resplandece com as novas regras urbanísticas que saneavam terrenos, construíam frentes ribeirinhas de trânsito fluvial, traçavam e regulavam alinhamentos e cérceas, ao mesmo tempo que redefiniam o espaço público segundo princípios cénicos e de aparato. O senhorio da Ordem de Cristo espelhava, agora sim, a administração de um rei que se caracterizava por uma vontade firme de exteriorizar e de materializar as suas qualidades, e de se afirmar enquanto monarca eleito e pré-destinado para construir um império e mudar a geografia do mundo. Este trabalho de investigação teve como objectivo fundamental a verdadeira compreenção deste complexo edificado, e permitiu a reconstituição de todos os espaços que compunham e definiam a Sede da Ordem de Cristo e as vilas de Tomar. Desconstruiu mitos e questionou teorias e lendas que se perpetuaram no tempo em redor deste monumental edifício, resgatando a sua verdadeira identidade». In RESUMO

A Ordem e os Regedores

«A ordem religioso militar de Nosso Senhor Jesus Cristo surge no século XIV como a ordem portuguesa legítima herdeira dos bens pertencentes em Portugal à ordem do Templo. No início desse mesmo século, em 1307, Filipe IV rei de Franca, iniciou a já identificada campanha de difamação e perseguição à Ordem dos Templários conseguindo que o papa Clemente V ordenasse uma inquisição geral em todos os reinos cristãos sobre os bens e os procedimentos dos freires da Ordem. Dava-se, assim, inicio ao processo que levaria a extinção da Ordem do Tempo em 1312. Antevendo o rumo dos acontecimentos, já desde 1307 alguns membros do clero português avançaram com tentativas de se apoderarem dos bens da Ordem. Contudo, o rei Dinis I não o consentiu e, em 1309, adjudicou a coroa alguns dos seus bens. Ao mesmo tempo, e com o objectivo especifico de os salvaguardar, procurou apoio nos seus pares da Península, tendo conseguido em 1310 assinar um acordo com Fernando IV de Castela, onde ambos se comprometiam a defender os bens da Ordem a favor das respectivas coroas e a não fazer pacto com Roma sem o acordo de ambos. A este acordo associou-se o rei de Aragão em 1311.

A 22 de Marco de 1312, no concilio de Viena, o papa Clemente V, sob a influencia de Filipe IV, aboliu para sempre a Ordem do Templo, tendo determinado que os bens da Ordem fossem entregues à Ordem do Hospital, exceptuando-se os bens situados nos reinos da Península Ibérica, cujo destino deveria ser posteriormente decidido». In Maria José Travassos Bento, Convento de Cristo, 1420 – 1521, Mais de um século, 2016, Tese de Doutoramento, Estudo Geral, Repositório Científico, Universidade de Coimbra, FLUC,  http://hdl.handle.net/10316/26539.

Cortesia de FLUC/JDACT

JDACT, Maria José Travassos Bento, História, Doutoramento, Caso de estudo, Cultura e Conhecimento,