Com a devida vénia à Doutora Maria José Travassos Almeida Jesus Bento
A Ordem e os Regedores
«(…) Esta acção representou uma mudança no âmbito da acção da Ordem, uma vez que a milícia começou a adoptar uma prática combativa que se identificava com os interesses do reino. Não era já, portanto, a lealdade aos valores cristãos que estava em causa, mas um programa politico que importava assegurar, na manutenção e vigilância das fronteiras definidas e sob a suprema tutela do rei. Esta característica constituiu a principal diferença entre a Ordem do Templo e a Ordem de Cristo, ou seja, a Ordem de Cristo funcionou também como instrumento da política do Reino, enquanto a Ordem do Templo, sendo uma Ordem internacional, funcionava segundo princípios próprios. Neste contexto, a proximidade da Ordem ao Rei e a política régia evidenciou-se gradualmente com acções como, por exemplo, a tarefa conferida ao Mestre Rodrigo Eanes de acompanhar a filha mais nova de Afonso IV, dona Leonor, ao reino de Aragão, onde viria a casar com Pedro IV. Este género de atitudes demonstrava que o Mestre era sempre um homem da confiança do rei e embora este não devesse interferir na eleição do Mestre, acto que deveria ser da inteira responsabilidade dos membros da Ordem, e evidente que ao longo dos tempos os monarcas não deixaram de sugerir o candidato ideal. A sucessão dos Mestres da Ordem reflectia também a forma como o rei e o herdeiro ao trono se relacionavam; ou seja, nos períodos em que o rei e o seu sucessor directo tinham uma boa relação, a morte do monarca o Mestre era mantido. Nos períodos de conflito entre o rei e seu sucessor, como foram os casos de Dinis I e seu filho Afonso IV e, posteriormente, Afonso IV e seu filho Pedro I, devido a lealdade do Mestre para com o rei, a morte do monarca, a convivência como seu sucessor e antigo opositor era praticamente impossível, o que significava a renúncia do Mestre e a realização de uma nova eleicao. Apesar destas situações, as obrigações da Ordem para com a coroa foram sempre cumpridas.
As
relações de confiança entre o Mestre e o rei eram inequívocas e obrigatórias,
reflectindo-se em actos como o de Pedro I ao confiar ao Mestre Nuno Rodrigues
Freire Andrade a educação de seu filho bastardo, o futuro D. Joao I. A
importância da presença de Nuno na Corte e o fim do processo de Reconquista da
Península levaram a que em 1357 a sede da Ordem de Cristo fosse transferida
definitivamente para Tomar. Entre as muitas acções desempenhadas por este
Mestre destacaram-se duas, particularmente significativas para o desenvolvimento
do país: o seu pedido a Pedro I para que entregasse o Mestrado de Avis a dom
João e a relação próxima com o sucessor do trono, Fernando I, o que permitiu que,
à data da morte de Pedro, Nuno fosse mantido no cargo de Mestre da Ordem até à sua
morte. A morte de dom Nuno ocorreu durante o curto reinado de Fernando I e o
cargo foi ocupado por Lopo Dias Sousa, sobrinho da rainha dona Leonor Teles. A
investidura de dom Lopo é reveladora de como os Mestres da Ordem eram pessoas
de absoluta confiança dos reis e por si indicados. Lopo teria apenas 12 anos
quando foi investido, tendo a confirmação papal demorado 13 anos a ser
formalizada. Durante esse tempo, o cargo de mestre foi considerado vago, sendo
assumido por dona Maria Teles Meneses, mãe de dom Lopo. O mestrado de Lopo
decorria com normalidade quando Fernando I faleceu, deixando viúva dona Leonor
que assumiu a regência do reino.
Apos
a morte de Fernando I, Lopo manteve-se leal à rainha regente, confirmando a
ligação da Ordem à Monarquia. Mais tarde, sabendo do envolvimento da rainha no
assassinato de sua mãe, o Mestre tomou uma posição contrária ao normal
procedimento da Ordem, retirando o seu apoio à Rainha e defendendo o Mestre de
Avis. Esta decisão não foi pacífica no interior da Ordem, e houve quem tomasse
partido pela causa castelhana. Todavia, estas tomadas de decisão não tiveram consequências
na organização e na atitude de apoio que foi desenvolvida em favor do Mestre de
Avis. Lopo chegou a ocupar Ourém em nome de dom João, localidade pró-castelhana
e, meses depois, Torres Novas, onde foi preso, tendo sido libertado apenas apos
a Batalha de Aljubarrota». In Maria José Travassos Bento, Convento de
Cristo, 1420 – 1521, Mais de um século, 2016,
Tese de Doutoramento, Estudo Geral, Repositório Científico, Universidade de
Coimbra, FLUC, http://hdl.handle.net/10316/26539.
Cortesia de FLUC/JDACT
JDACT, Maria José Travassos Bento, História, Doutoramento, Caso de estudo, Cultura e Conhecimento,