sábado, 17 de outubro de 2020

Nada é por Acaso. Zibia Gasparetto. «Eu quero progredir na vida, mãe. Ser alguém. Não quero ficar atrás de um balcão a vida inteira. Vou continuar os estudos e me formar»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Adele, uma empresária de sucesso, precisa de um neto para manter o controlo das suas empresas. Mas a sua filha, Maria Eugénia, é estéril. Adele contrata, então, Marina para ser mãe de aluguer. Marina terá de engravidar de Henrique, genro de Adele, e em troca receberá 1 milhão de dólares. Inicialmente constrangida pela insólita proposta, Marina acaba por aceitar, aliciada pela súbita prosperidade financeira que lhe permitirá ajudar a sua própria família. É nesse momento que se inicia um processo que mudará a vida de todos os envolvidos, mulher estéril, mãe de aluguer, pai biológico e empresária dominadora, convergindo para um emocionante final, absolutamente surpreendente. A vida tem leis perfeitas que condicionam o equilíbrio do Universo. Ela criou o homem com destino à felicidade, mas determinou que essa conquista fosse feita com esforço próprio, para que o homem valorizasse as suas vitórias». In Sinopse

«Marina estugou o passo, esbarrando nos transeuntes para abrir passagem. Estava atrasada. Ainda tinha de passar em dois bancos antes que fechassem e entregar aqueles documentos no escritório do dr. Moura. Eram sigilosos e fora-lhe recomendado o máximo cuidado com eles, devendo ser entregues directamente a ele. Consultou o relógio de pulso e suspirou cansada. Porque tinha de ser tudo ela? No escritório de advocacia em que trabalhava, havia outros funcionários, mas o dr. Olavo, seu chefe, parecia só ter olhos para ela. Sempre que havia algum documento importante ou transacção mais complicada no banco, era ela quem ia. Você vai, determinava ele. Sei que fará tudo certo. Ela ia. Começara a trabalhar naquele escritório logo que entrara na faculdade de Direito. Havia lutado muito para pagar seus estudos. Sua família morava em Sorocaba, interior de São Paulo. Ofélia, sua mãe, era costureira, e seu irmão menor, Cícero, estava cursando o primário. Seu pai deixara a família quando Ofélia ainda estava grávida de Cícero, e nunca mais os procurara. Quando Marina decidiu fazer faculdade em São Paulo, Ofélia foi contra: somos apenas nós três, disse, triste. O que faremos se também for embora? Eu não vou embora, respondera Marina com voz firme. Estou precisando ganhar mais para pagar os estudos. podia continuar trabalhando na farmácia do sr José e estudar outra coisa.

Eu quero progredir na vida, mãe. Ser alguém. Não quero ficar atrás de um balcão a vida inteira. Vou continuar os estudos e me formar. Disparate! Já está com vinte anos. Logo vai casar-se e deixar os estudos de lado. Marina apertou os lábios e disse com raiva: não eu! Vou cuidar de minha vida e não vou arranjar ninguém que venha atrapalhar. Pense bem, mãe: vou fazer carreira, ganhar muito dinheiro e levar-vos para São Paulo. O Cícero também vai precisar continuar os estudos. Eu ganho o suficiente para viver. Para que mais? A mãe faz o que pode. Mas tem-nos sustentado toda a vida. Chegou a hora em que eu posso ajudar a manter a casa. Ofélia sorriu. Boa intenção. Mas, até que possa colaborar com as despesas, vai demorar. Quanto acha que pode ganhar em São Paulo? Depois, terá que se sustentar. Não vai ser fácil. Eu me arranjo. A Bete me escreveu. Ela está morando numa pensão, e não é cara. Vou trabalhar na farmácia até receber o pagamento e depois irei para a pensão. As aulas só vão começar no mês que vem. Enquanto isso, procuro um bom emprego. Não me agrada que fique lá sozinha. Não conhece ninguém. Posso tomar conta de mim. Não houve argumentos que a fizessem mudar de ideia. Recebeu o salário e instalou-se na mesma pensão onde vivia a sua amiga Bete.

Interessada em fazer carreira na advocacia, procurou emprego e conseguiu ser contratada pelo escritório do dr. Olavo Augusto Resende. Ele liderava um grupo de advogados que trabalhavam na área civil. Marina começara modestamente como auxiliar. Desejando progredir, esforçava-se procurando aprender o que podia, interessando-se pelos negócios do grupo e fazendo mais do que lhe pediam. Educada, inteligente e, principalmente, arguta, Marina sabia como lidar com as pessoas. Os advogados do escritório logo perceberam que podiam contar com ela e a encarregavam dos mais complicados assuntos, felizes por se livrarem de atendê-los pessoalmente e seguros de que ela agiria a contento. À medida que Marina ia avançando nos estudos, suas despesas iam aumentando, tornando sua situação difícil. Esse problema, porém, era amenizado pelos aumentos salariais que ela recebia como incentivo para completar o curso.

Fazia seis meses que Marina se havia bacharelado, e ela desejava mais. Olavo prometera-lhe algumas pequenas causas, para que ela pudesse ir conquistando a confiança dos clientes. Dissera-lhe: na nossa profissão, é preciso paciência. O nome é importante. Você é boa, tem aprendido muito nestes anos aqui, mas ninguém a conhece. Precisa fazer nome. Ela continuava trabalhando como antes, e as causas não apareciam. No escritório, era ela quem tomava a maior parte das providências jurídicas, redigindo petições, acompanhando o andamento dos processos, analisando-os, sugerindo providências, comparecendo às audiências, conversando com os advogados da parte contrária ou com os clientes e seus adversários. Trabalhava agora mais do que antes. Havendo terminado os estudos, ficava até mais tarde. Muitas vezes levava processos para ler nos fins de semana». In Zibia Gasparetto, Nada é por Acaso, 2005, Edição 11, Editor Nascente, 2012, ISBN 978-989-668-172-2.

Cortesia E11/ENascente/JDACT

Zibia Gasparetto, Literatura, JDACT,