A Piazza Pizzo di Merlo
«(…)
Ela era muito bonita, e as criadas nunca se cansavam de pentear ou adornar
aqueles longos cabelos de cor amarelo-ouro que tão raramente se via em Roma. Lucrécia
aos dois anos já tinha, tal como os irmãos, era precoce, consciência de seu
charme, mas aceitava isso com uma satisfação tranquila, como aceitava a maioria
das coisas. Naquele dia havia um silêncio na casa, porque algo importante
estava acontecendo, e Lucrécia estava cônscia dos sussurros dos empregados e
empregadas e da presença de mulheres estranhas na casa. Ela sabia que aquilo
dizia respeito a sua mãe, porque já fazia um dia inteiro que não lhe permitiam
vê-la. Lucrécia sorria placidamente enquanto olhava para a praça. Ela acabaria
sabendo, de modo que iria esperar que chegasse a ocasião. Seu irmão Giovanni
aproximou-se e ficou em pé a seu lado. Estava com seis anos e era um menino bonito,
com cabelos castanho, avermelhados como os da mãe. Lucrécia sorriu para ele e
estendeu a mão; o irmão sempre era delicado com ela e ela já percebera que cada
um deles estava fazendo o possível para ser o seu favorito. Ela já era coquete
o bastante para gostar da rivalidade por seus afectos. O que é que está olhando,
Lucrécia?, perguntou Giovanni.
Estou vendo as pessoas, respondeu
ela. Olhe a mulher gorda com a máscara! Os dois riram juntos porque a mulher
gorda bamboleava-se como uma pata, disse Giovanni. Nosso tio vai chegar logo,
disse Giovanni. Está esperando por ele, Lucrécia? Lucrécia sacudiu a cabeça,
sorrindo. Era verdade que ela sempre esperava o tio Rodrigo. As visitas dele
eram o ponto alto de sua vida. Ser levada por aqueles braços fortes, ser
erguida acima daquele rosto risonho, sentir o leve perfume que aderia às roupas
dele e observar as jóias faiscantes nas suas mãos brancas e saber que ele a
adorava, era maravilhoso. Ainda mais maravilhoso do que ser tão amada pelos
dois irmãos. Ele virá hoje, Lucrécia, disse Giovanni. Na certa que virá. Está
esperando uma mensagem da mãe. Lucrécia prestou atenção, alerta; nem sempre ela
compreendia os irmãos; eles pareciam esquecer-se de que ela tinha apenas dois
anos, e que Giovanni, que tinha seis, e César, que tinha sete, pareciam adultos,
ilustres, grandes e importantes. Sabe porquê, Lucrécia?, disse Giovanni.
Quando ela abanou a cabeça,
Giovanni riu, mantendo o segredo, ansioso por contar a ela e no entanto relutando
em fazê-lo porque a perspectiva de contar o agradava muito. De repente, ele
parou de sorrir para ela e Lucrécia entendeu porquê. César estava em pé atrás
deles. Lucrécia voltou-se para sorrir para ele, mas César estava olhando firme
para Giovanni. Não tem nada que contar, disse César. Tenho tanto quanto você,
retorquiu Giovanni. Eu sou o mais velho. Eu vou contar, declarou César. Lucrécia,
não dê atenção ao que ele diz. Lucrécia abanou a cabeça e sorriu. Não, ela não
daria atenção ao que Giovanni dizia. Eu vou contar, se eu quiser, berrou
Giovanni. Tenho tanto direito de contar quanto você. Mais..., porque fui o
primeiro a pensar em contar. César tinha agarrado o irmão pelos cabelos e o
estava sacudindo. Giovanni dava pontapés em César. César respondeu, Giovanni
gritou e os dois meninos passaram a rolar pelo chão. Lucrécia continuou calma,
porque lutas como aquela eram bem comuns na ala infantil, e ela ficava assistindo,
contente por eles estarem brigando por ela; quase sempre, ela era a causa
daquelas brigas. Giovanni estava gritando de dor; César berrava de raiva. As
criadas não tinham coragem de se aproximar deles quando os dois brigavam
daquele jeito. Elas tinham medo dos dois meninos. Giovanni, que estava sendo
imprensado contra o chão por César, gritou: Lucrécia..., nossa mãe vai... Mas não conseguiu dizer mais nada, porque César tapou com a
mão a boca do irmão. Os olhos dele pareciam negros de raiva, e o rosto estava
escarlate. Eu vou contar. Sou eu que tenho de contar. Nossa mãe vai ter um
filho, Lucrécia. Lucrécia ficou olhando, os olhos arregalados, a macia boca de
criança aberta numa expressão de espanto. César, vendo o assombro dela,
recuperou a calma. Ela olhava para ele como se ele fosse o responsável por
aquela coisa estranha. Ela o fez sentir-se poderoso, como fizera desde quando
era criancinha e ele rondava seu berço e ficava olhando os dedinhos dela
enroscarem-se no seu polegar.
Ele
soltou Giovanni e os dois meninos se levantaram. A briga terminara; era uma das
muitas que aconteciam todos os dias na ala infantil. Agora eles estavam prontos
para conversar com a irmãzinha sobre o
novo bebé, desfilar diante dela e jactar-se de tudo o que sabiam a respeito dos
grandes acontecimentos que tinham lugar do lado de fora da ala infantil. Vannozza
estava deitada, esperando que o cardeal a visitasse. Daquela vez tinha sido um
menino, mas ela estava inquieta. Tinha boas razões para isso. O cardeal
continuara suas visitas durante os dois anos em que ela estava casada, mas elas
tinham sido menos frequentes e ela ouvira muitos mexericos sobre as
encantadoras jovens pelas quais ele se interessava. Giorgio era um homem bom,
um homem dócil, como o cardeal dissera; mas até mesmo os mais dóceis dos homens
não deixam de ser homens, e Vannozza possuía um charme voluptuoso e
irresistível. Tinha havido longos serões no verão, o frescor do anoitecer era a
melhor parte do dia, em que eles jantavam no belo vinhedo dela na Suburra,
quando os dois conversavam e ficavam sonolentos e depois iam para dentro de casa,
cada qual sentindo-se estimulado pela presença do outro». In Jean Plaidy, Lucrécia Borgia,
Edição Record, 1996, ISBN 978-850-104-410-5.
Cortesia
de ERecord/JDACT
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