domingo, 18 de julho de 2021

Deslumbrante. Madeline Hunter. «Estive perto de Brighton, explicou Sebastian. Fui verificar uma coisa relacionada com aquela questão das munições. Pode ter-se tratado apenas de negligência…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Agora todos o tratavam por dr. Fenwood, para Morgan manter a pequena pretensão de que a pessoa que o ajudava com uma intimidade por vezes escandalosa era um profissional da medicina. Existiam muitas ilusões semelhantes naquela casa, com todos se esforçando para preservar a dignidade de um homem bom. A saúde do marquês hoje de manhã está óptima, informou Fenwood. O título lhe subira ligeiramente à cabeça e ele avançava sua opinião como se soubesse a diferença entre a saúde estar ou não boa. A disposição do marquês também está boa. Era essa a informação que Sebastian realmente queria. O irmão com frequência sofria de surtos de depressão. Os médicos verdadeiros haviam avisado desde o início que se tratava de uma coisa comum em inválidos. Entrou no aposento que servia de pequena sala de estar ao amplo domicílio do marquês. O irmão não ouviu a porta se abrir e continuou a ler a correspondência. Havia um tanto dela. A alta sociedade ainda enviava convites, sabendo que nunca seriam aceitos. E Morgan, terceiro marquês de Wittonbury, lia cada um deles, como se pudesse escolher ir a alguns jantares festivos.

A cadeira de Morgan era recostada à janela, pela qual podia olhar a cidade. Tanto a mesa como um cobertor negro obscureciam qualquer vislumbre das pernas imóveis que o haviam feito prisioneiro daquele aposento desde que fora transportado para casa vindo de uma guerra à qual se juntara nobre e idealisticamente, tardia e impulsivamente. O facto de Morgan ter comprado a patente com a guerra em estado tão avançado sempre pareceu a Sebastian uma ironia impossível. Dava vontade de perguntar se a retirada francesa na campanha peninsular tinha sido programada para o destino arruinar a vida de Morgan. Sebastian ocupou seu lugar na cadeira que ficava diante do irmão e se serviu de café da cafeteira que o aguardava. Nenhum criado ficava por perto, para não importuná-los naquela rotina que os dois partilhavam. Morgan levantou os olhos da carta que lia. Que bom que está de volta. Não contava que a chuva me atrasasse ontem. Normalmente, se faltasse às visitas matinais, Sebastian avisava Morgan. No dia anterior não fora possível, claro. Sebastian não se importava com esta imposição à sua rotina. Ele próprio a criara, ao iniciar o hábito e permitir que o irmão dependesse dele. Actualmente Morgan tinha tão poucos visitantes que só lhe restava a companhia da família para quebrar o tédio do dia. Não obstante, enquanto Sebastian justificava a ausência do dia anterior, percebeu que sua vida mudara em comparação com a do irmão. A paralisia que encerrava Morgan naquele aposento, vivendo uma vida tragicamente alterada, também mudara radicalmente o destino de Sebastian.

Estive perto de Brighton, explicou Sebastian. Fui verificar uma coisa relacionada com aquela questão das munições. Pode ter-se tratado apenas de negligência, como todos pensam. Não acredita realmente nisso. Não. Morgan olhou pela janela, mas na verdade sua visão voltava-se para dentro. Para as memórias da guerra, suspeitou Sebastian. Morgan seguira o escândalo de perto, incrédulo com os relatos jornalísticos de uma companhia que ficara indefesa por causa de má pólvora. O marquês de Wittonbury quis que fosse feita justiça aos soldados mortos e Sebastian quis que o irmão conhecesse a satisfação de ver os camaradas de armas finalmente vingados. Ficou sabendo de alguma coisa? Posso ter descoberto um homem que sabe alguma coisa. Ele pode ter uma informação que acabe revelando a verdade. Finalmente. Morgan assentiu distraidamente. Pegou num dos jornais impecavelmente passados a ferro que aguardavam a sua atenção. Sebastian fez o mesmo. Aquelas visitas haviam-se tornado rotina. Ritualizadas.

Nossa mãe esteve aqui de visita ontem à tarde, comentou Morgan enquanto perscrutava o periódico. Queria falar sobre você. Bom, aquilo não era rotina. Mesmo? A-hã... Quer que eu lhe diga que deve casar-se. Escolheu várias moças que se adequam. Tenho certeza de que ela pensa que sim. Eu disse a ela que não devia iludir-se e pensar que tenha mudado tanto assim. Sugeri que aquilo que ela vê como uma nova página é apenas uma película que obscurece as folhas antigas. Discrição não é o mesmo que arrependimento ou mudança. Obrigado. Ficou muito decidida e imperiosa... Bom, sabe como ela é. Tem visitado muito estes dias? Morgan encolheu os ombros. Mais do que antes». In Madeline Hunter, Deslumbrante, Edições ASA, 2013, ISBN 978-989-232-372-5.

 Cortesia de EASA/JDACT

JDACT, Madeline Hunter, Escrita, Saber,