«(…) Revirei os olhos, pressentindo uma nova explosão de conhecimento, mas a sra. Baird sorriu cordialmente e encorajou-o, dizendo que era verdade, ela havia estado no norte e visto a pedra Dois Irmãos e isso era escandinavo, não era? Os escandinavos visitaram essa costa centenas de vezes entre 500 e 1300 d.C, aproximadamente, Frank disse, olhando sonhadoramente para o horizonte, vendo barcos normandos na nuvem varrida pelo vento. Vikings. E trouxeram muitos de seus mitos com eles. É um país bom para mitos. As coisas parecem criar raízes aqui.
Nisso eu
podia acreditar. O crepúsculo se aproximava, assim como uma tempestade. Na
estranha luz sob as nuvens, até as casas totalmente modernas ao longo da rua
pareciam tão antigas e sinistras quanto a desgastada pedra do povo picto que
ficava a uns trinta metros de distância, guardando a encruzilhada que marcava
há mil anos. Parecia uma boa noite para ficar em casa com as persianas
fechadas.
Ao invés
de permanecer confortavelmente sentada na sala de visitas da sra. Baird, vendo
imagens estereoscópicas de Perth Harbor, entretanto, Frank preferiu comparecer
ao seu compromisso com o sr. Bainbridge, um tabelião com interesse em registros
históricos locais, para tomar um xerez. Lembrando-me do encontro anterior que tivera
com o sr. Bainbridge, resolvi permanecer em casa com Perth Harbor.
Procure
voltar antes da tempestade - disse a Frank, dando-lhe um beijo de despedida. -
E dê lembranças minhas ao sr. Bainbridge. Humm, sim. Sim, claro. Cuidadosamente
evitando meus olhos, Frank encolheu os ombros dentro do seu sobretudo e partiu,
pegando um guarda-chuva do suporte junto à porta. Fechei a porta quando ele
saiu, mas deixei-a destrancada para que ele pudesse entrar ao voltar. Dirigi-me
languidamente de volta à sala de visitas, reflectindo que Frank iria sem dúvida
fingir que não tinha mulher. Uma farsa à qual o sr. Bainbridge iria se unir
alegremente. Não que eu, particularmente, pudesse culpá-lo.
No começo,
tudo correra muito bem em nossa visita à casa do sr. Bainbridge na tarde do dia
anterior. Eu me mostrara recatada, bem-educada, inteligente, mas modesta,
elegante e discretamente vestida - tudo que a mulher perfeita do professor
universitário deveria ser. Até o chá ser servido. Agora, virei a minha mão
direita, examinando, com tristeza, a grande bolha que se estendia pela base dos
quatro dedos. Afinal, não era culpa minha que o sr. Bainbridge, um viúvo, se
contentasse com um bule barato de metal, ao invés de um bule adequado de louça.
Nem que o tabelião, procurando ser gentil, tivesse me pedido para servir o chá.
Nem que a luva de panela que ele me deu apresentasse uma parte gasta que
permitiu que o cabo em brasa do bule entrasse em contacto direto com minha mão
quando o segurei.
Não,
concluí. Deixar cair o bule foi uma reacção perfeitamente normal. Deixá-lo cair
no colo do sr. Bainbridge foi apenas um infeliz acidente; tinha que deixá-lo
cair em algum lugar. Foi minha exclamação Pu… que pariu!, em voz mais alta do
que o berro de dor do sr. Bainbridge que fez Frank me olhar enfurecido por cima
dos pãezinhos. Quando se recuperou do choque, o sr. Bainbridge mostrou-se muito
gentil, examinando minha mão e ignorando as tentativas de Frank de se desculpar
pelo meu linguajar, alegando que eu servira num hospital de campanha por quase
dois anos. Receio que minha mulher acabou pegando algumas, hã, expressões mais
pitorescas dos ianques e de outros - Frank sugeriu com um sorriso nervoso.
É verdade,
eu disse, cerrando os dentes enquanto envolvia minha mão com um guardanapo
embebido em água. Os homens tendem a ser muito pitorescos quando se está
tirando estilhaços do corpo deles. Com muito tacto, o sr. Bainbridge tentou
desviar a conversa para o campo neutro da história dizendo que sempre se
interessara pelas variações do que fora considerado discurso profano através
dos tempos. Havia Gorblimey, por exemplo, uma corruptela recente da imprecação God
blind me. Sim, é claro, disse Frank, aceitando de bom grado o desvio da conversa.
Sem açúcar, obrigado, Claire. E quanto a Gadzooks? A parte Gad é perfeitamente
clara, naturalmente vem de God, mas zook...
Bem, sabe, interpôs o tabelião, às vezes eu acho que possa ser uma corruptela de uma antiga palavra escocesa, na verdade, yeuk. Significa tentação, ânsia, desejo. Faria sentido, não? Frank concordou, balançando a cabeça e deixando seu pouco erudito topete cair na frente da testa. Empurrou-o para trás automaticamente. Interessante, disse, toda a evolução do sacrilégio. Sim, e continua a acontecer, disse, pegando cuidadosamente um cubo de açúcar com a pinça. É mesmo?, disse o sr. Bainbridge. A senhora encontrou algumas variações importantes durante a sua, hã, experiência na guerra? Ah, sim, disse. A minha favorita, aprendi com um ianque. Um homem chamado Williamson, de Nova York, eu acho. Ele a dizia toda vez que eu trocava seu curativo. E qual era? Jesus H. Roosevelt Cristo, disse, deixando o cubo de açúcar cair cuidadosamente no café de Frank». In Diana Gabaldon, Nas Asas do Tempo, 1991, Casa das Letras, LeYa, 2010, 2016, ISBN 978-972-461-974-3.
Cortesia
das CdasLetras/JDACT
JDACT, Aventura, Diana Gabaldon, Literatura, Escócia,