Com a devida vénia a Ruy Ventura e ao jornal Alto Alentejo
As Igrejas de Castelo de Vide fazem falta
«(…) É certo que em Castelo de Vide e no seu concelho nunca existiram
igrejas dedicadas a São Martinho ou à Senhora da Saúde (como alguém escreveu),
mas o valor memorial e patrimonial de igrejas e capelas como as que existem no
concelho alentejano é algo que não pode ser desperdiçado seja por quem for.
Desde uma igreja de Santiago (que investigadores internacionais já
identificaram como uma antiga mesquita) à do Salvador do Mundo (anterior à
nacionalidade e ligada ao cristianismo moçárabe), passando pelo Senhor do
Bonfim (com um admirável conjunto de pinturas murais), ao Bom Jesus e à Senhora
do Carmo (com retábulos que urge estudar, restaurar e divulgar, no âmbito da
comunidade de artistas que existiu em Castelo de Vide nos séculos XVII e XVIII),
a Santo Amaro (uma admirável igreja barroca!), às medievais São Roque e Santo
Amador e a muitas outras, há um imenso conjunto de oportunidades a explorar, no
âmbito de uma religiosidade aberta, de um turismo religioso e cultural e de uma
estratégia inteligente de desenvolvimento local. É um erro pensar que as
igrejas só merecem estar de pé enquanto lá se celebrar missa todos os domingos.
Não foram construídas para isso. A maior parte delas, desde o dia da sua
inauguração, só teve eucaristia uma vez por ano (ou no dia da sua festa ou no
dia do sufrágio de quem lá estava enterrado, em geral os seus fundadores). A
sua manutenção era assegurada por um ermitão, que aí vivia de graça e em troca
de habitação gratuita tinha de assegurar a abertura de portas aos fiéis. Hoje
em dia serão usadas de outro modo, com fins distintos. Não serão todavia menos
dignos.
Dar valor a uma igreja, ainda que pequena e humilde, mas histórica, é
respeitar um passado que nos mantém de pé, pois faz parte das nossas raízes. Não
há futuro sem passado. É muito urgente dar valor a este e a outros patrimónios,
sobretudo num tempo em que motivações espúrias querem purificar a nossa
memória, derrubando e vandalizando estátuas e pessoas, levando-nos para a
barbárie. Acredito que os negócios sejam sedutores, que a pressa de resolver
situações seja má conselheira, que a imaginação nem sempre seja abundante, que
pressões várias, nem sempre legítimas, façam esquecer o dever maior. Não é por
acaso que o Direito Canónico afirma só ser válida a alienação de ex-votos
oferecidos à Igreja, ou de coisas preciosas em razão da arte ou da história com
licença expressa da Santa Sé, permitindo todavia que, além do culto, da piedade
e da religião, o bispo diocesano permita nas igrejas outros actos ou usos, que
não sejam contrários à santidade do lugar. Mesmo que as circunstâncias tenham
levado à perda da bênção do local, é sempre possível dar-lhes um uso digno que
respeite a sua integridade memorial, arquitectónica e artística. Há exemplos
vários disso mesmo no Alentejo e no país, alguns bem perto. Não é preciso
reinventar a roda…
Um dos primeiros actos de São Francisco depois da sua conversão foi
promover nos arredores de Assis a reparação da igreja de São Damião, que
ameaçava ruína e estava abandonada. Para isso, vendeu tudo o que tinha e,
segundo contam as suas biografias medievais, chegou a andar pela sua terra a
pedir pedras para a reconstrução, prometendo recompensas divinas. Nem todos
podemos chegar ao exemplo maior dos santos, mas, como me disse um dia, era eu
adolescente, o saudoso cónego Justo, membro do cabido da Sé de Portalegre, se
nem todos conseguimos ser santos, todos temos a obrigação de ser nobres e
honrados. Haja nobreza de carácter, honra e humildade e a situação das igrejas
de Castelo de Vide será resolvida a pouco e pouco pelos castelo-videnses, pelas
suas autoridades civis e por quem dirige a sua paróquia. Não me passa pela
cabeça que venham a ter uma atitude menos digna. O Paráclito os espicaçará». Ruy Ventura, As Igrejas de Castelo de Vide Fazem
Falta, artigo publicado no jornal AltoAlentejo, 17/06/2020, Arquivo do Norte
Alentejan.
Cortesia de JALentejo/RuyVentura/JDACT
JDACT, Património, Ruy Ventura, Cultura e Conhecimento, Castelo de Vide,