sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Guerras Climáticas. Harald Welzer. «Não se verão somente as migrações em massa, mas soluções violentas no enfrentamento dos problemas dos refugiados, que não abrangerão apenas os direitos à água ou ao cultivo e exploração do solo…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Porque mataremos e seremos mortos no século XXI

«(…) O Eduard Bohlen se enferruja hoje, semi-enterrado na areia do deserto da Namíbia e talvez tenha chegado o momento em que o modelo completo das sociedades ocidentais, com todas as suas conquistas de democracia, direitos humanos, liberdade, liberalidade, arte e cultura, sob o ponto de vista de um historiador do século XXII, se demonstre tão irremediavelmente deslocado como nos parece hoje a visão do velho navio negreiro nadando no meio do deserto, um corpo estranho peculiar que dá a impressão de se ter originado noutro mundo. Isso no caso de ainda haver historiadores quando chegar o século XXII.

Este modelo de sociedade, tão impiedosamente desenvolvido ao longo de uma guerra com a duração de um quarto de milénio, tornou-se agora dominante, num piscar de olhos, no momento em que seu caminho vitorioso atingiu um alcance global, no qual até mesmo os países comunistas e aqueles que não eram exactamente comunistas foram incluídos, pela atracção irresistível de padrões de vida em que os automóveis, as televisões, os computadores de tela plana e as longas viagens determinaram as novas fronteiras da sua actuação, produzindo consequências inesperadas que ninguém havia calculado. As emissões de gás carbónico que a fome de energia das indústrias e das administrações dos países de desenvolvimento descontrolado produzem em níveis progressivamente maiores ameaçam os ritmos normais de desenvolvimento do clima terrestre. Suas consequências já se tornaram visíveis, embora o futuro ainda seja imprevisível. Ainda mais claramente agora, quando se percebe que a utilização desmedida das fontes de energia fóssil não pode mais ser continuada indefinidamente, uma vez que o fim destas reservas pode ser esperado antes de muito tempo, já que o esgotamento de tais recursos é inevitável, devido ao desinteresse pelas consequências e o descontrole com que são queimados.

Mas não é somente porque as transformações climáticas causadas pelas emissões de gases poluentes e que já provocaram um aquecimento global médio da ordem de dois graus não pareçam mais poder ser controladas que o modelo ocidental já atingiu os seus limites, mas também porque uma forma de desenvolvimento globalizado que tenha por base o consumo incontido de recursos naturais não poderá funcionar como um princípio de abrangência mundial. Isto porque este modelo funcionou logicamente apenas enquanto o poder de uma parte do mundo acumulou o que foi desviado de outras partes; este modelo é particular e não universal, nem todos os países poderão segui-lo doravante. Enquanto a astronomia não nos oferecer planetas próximos o bastante que possam ser colonizados, chegamos à constatação desapontadora de que a Terra é apenas uma ilha. Não teremos mais para onde nos expandir, depois que as reservas tenham sido esgotadas e os campos de cultivo ocupados pela urbanização.

Agora que os recursos restantes claramente estão se esgotando, pelo menos em muitas regiões da África, da Ásia, da Europa Oriental, da América do Sul, do Ártico e das Ilhas do Pacífico, surge o problema de que cada vez mais pessoas encontrarão cada vez menores bases de segurança para sua sobrevivência. Está ao alcance de todos a constatação de que conflitos armados surgirão entre estes povos, para que eles possam se nutrir do cultivo das próprias terras e das de seus vizinhos ou porque queiram beber das fontes de água que progressivamente se esgotam nos seus territórios ou nos territórios próximos; de forma semelhante, também se tornou visível para todos que as pessoas, dentro de um futuro previsível, não mais tenham mecanismos práticos de contenção dos refugiados de guerra e do meio ambiente, ao mesmo tempo que não se possam mais separar deles, porque cada vez mais novas guerras provocadas pela decadência ambiental surgirão e os povos fugirão para escapar às consequências da violência. Uma vez que eles terão de permanecer em algum lugar, darão origem a novas fontes de violência, nos seus próprios países, onde não saberão o que fazer com os refugiados internos, ou nas fronteiras de outras terras que desejem atravessar, mas onde não serão desejados de qualquer maneira.

O objectivo deste livro é o de responder às questões provocadas pela maneira como o clima e a violência se inter-relacionam. Em alguns casos, como o da Guerra do Sudão, este relacionamento é directo e pode ser constatado de imediato. Em muitos outros contextos de violência presente ou futura, no caso das guerras civis, de conflitos permanentes, do terror, da imigração ilegal, das disputas fronteiriças, das agitações e revoltas, predomina uma ligação com as modificações climáticas e os conflitos ambientais de carácter apenas indirecto, especialmente no sentido de que o aquecimento da temperatura provoca efeitos desiguais ao redor do globo, dependendo da densidade demográfica, da situação geográfica e das condições de vida, porque afecta as diversas sociedades de forma altamente diferenciada. Porém, tomadas no seu conjunto, quer as guerras climáticas assumam uma forma directa ou indireta, qualquer que seja a forma como se travem os conflitos do século XXI, a violência terá um grande papel futuro ao longo deste século. Não se verão somente as migrações em massa, mas soluções violentas no enfrentamento dos problemas dos refugiados, que não abrangerão apenas os direitos à água ou ao cultivo e exploração do solo, portanto, guerras de recursos naturais e não somente conflitos de religião, ou guerras de consciência». In Harald Welzer, Guerras Climáticas, Porque mataremos e seremos mortos no século XXI, LeLivros, Geração Editorial, 2010, Wikipedia.

Cortesia de LLivros/GeraçãoE/JDACT

Harald Welzer, JDACT, Clima, Conhecimento,