quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Theresa Breslin. Prisioneira da Inquisição. «E o que diria o bondoso Jesus da decisão dela de instituir uma Inquisição (maldita) que pode usar tortura ao questionar um acusado?»

Cortesia de wikipedia e jdact

Zarita

«(…) Em poucos dias a cidade de Las Conchas mudou completamente. As lojas e as barracas da feira tornaram-se muito mais silenciosas. Havia menos pessoas nas ruas, e as que saíam de casa olhavam desconfiadas umas para as outras. Forasteiros, anteriormente bem-vindos como estímulo para o comércio, agora eram evitados. Os pescadores árabes partiram silenciosamente nos seus sambucos e não voltaram. Dizia-se que os judeus tinham trancado as suas casas e permanecido dentro delas a noite toda e a maior parte das horas do dia. Tínhamos sido uma cidade sossegada com um porto razoavelmente movimentado. Agora éramos uma comunidade fechada onde vizinhos mal se cumprimentavam ao se encontrar na rua. Para minha contrariedade, fui impedida de fazer minha cavalgada diária. Garci disse-me que o pai lhe dera instruções para que nem Lorena nem eu saíssemos da propriedade sem sua permissão. Para evitar encontrar-me com o padre Besian, eu normalmente ia ao convento-hospital após a missa de cada manhã e passava lá a maior parte do dia na companhia de minha tia e suas freiras.

Independentemente de qualquer consideração moral a respeito de uma religião ter ou não o direito de impor suas regras sobre as de outra, os actos da Inquisição (maldita) estão arruinando a economia de nossa cidade, comentou a irmã Maddalena, a suplente de minha tia no convento, ao nos sentarmos certo dia na sala de estar, enquanto preparávamos bandagens e conversávamos. Cuidado, irmã Maddalena, minha tia olhou em direcção à porta, nunca se sabe quem está ouvindo. Irmã Maddalena, uma mulher grande e agitada que havia criado uma família de dez filhos e enterrado três maridos antes de dedicar sua vida a Deus, sacudiu a cabeça. Nossas irmãs aqui jamais trairiam uma à outra, mas, de qualquer modo, não ligo para quem ouve quando falo a verdade. As pessoas estão com medo de sair, de negociar, de fazer qualquer coisa que possa ser interpretada como oposição à Igreja. Temem que alguma pessoa intrometida as denuncie. Baixei a voz e disse: Acredita que uma religião não tem o direito de impor suas regras à outra? Certamente, como bons cristãos, é nosso dever evangelizar. É também o do rei e o da rainha, rebateu minha tia cuidadosamente. A rainha Isabel, em particular, acredita que faz a Vontade de Deus em sua missão de unir toda a Espanha sob a bandeira da Cruz.

E o que diria o bondoso Jesus da decisão dela de instituir uma Inquisição (maldita) que pode usar tortura ao questionar um acusado? A irmã Maddalena bufou em escárnio. Ela acha que é melhor sofrer na terra e alcançar uma paz eterna no céu. Irmã Maddalena inclinou-se para mais perto. Meu primo de Saragoça contou que ela mandou que seis criminosos fossem castrados, depois enforcados, arrastados e esquartejados em público diante da catedral. Ela é uma rainha monstruosa, comentei com emoção, capaz de permitir que muitos sejam condenados a uma morte tão terrível. Não tão monstruosa, reflectiu minha tia. Ela é inteligente e possui uma certa bondade, principalmente em relação à família e aos amigos, mas, quando resolve fazer uma coisa, ela tem de ser feita. Tem de reconhecer que, quando ela herdou o trono de Castela do meio-irmão Henrique, assumiu um reino arruinado. Durante seu reinado, Henrique concedera favores a homens e mulheres malvados e venenosos. A corte era apenas uma instituição que buscava o prazer, com pouca distribuição de ordem ou justiça. Bandidos vagavam pelas terras. Não havia leis. Isabel mudou isso, mas o nível de corrupção era tal, mesmo entre os nobres, que ela teve de ser implacável para fazer isso. Tem sido criticada pela falta de piedade, mas agora os lavradores podem cultivar suas terras e colher as safras, e viajantes podem circular pelas estradas sem serem molestados. A conhece!, exclamei.

Minha tia confirmou com a cabeça. Conheci. Anos atrás, passei algum tempo na corte e sei que a vida dela não tem sido fácil. Quando criança, foi mantida num castelo sombrio, protegida e orientada apenas por uma austera e, segundo alguns, enlouquecida mãe. Foi influenciada por seu confessor, um fanático, e acho que ainda é o caso. E acredita nessa missão da rainha e do rei?, perguntei. Minha tia abriu a boca para responder, mas parou e pendeu a cabeça num gesto de quem está ouvindo algo. Ergueu a mão e colocou o dedo sobre os lábios. Então, levantando-se rapidamente, avançou e abriu a porta. O padre Besian estava parado ali». In Theresa Breslin, Prisioneira da Inquisição, 2010, Editora Galera Record, 2014, ISBN 978-850-113-940-0.

Cortesia de EGaleraR/JDACT

JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Século XV, Religião,