quarta-feira, 18 de maio de 2022

Os Bastardos Reais. Isabel Lencastre. « O que torna as coisas ainda mais confusas e complicadas, fazendo pender sobre o rei Cruel a suspeita de bigamia ou, mesmo, de trigamia. Se nunca foi anulado o casamento de dom Pedro com dona Branca …»

 

jdact

O Bastardo do rei Bravo

«(…) Há, no entanto, quem não tenha dúvidas de que dom Pedro casou efectivamente com Inês de Castro, sustentando, porém, que este matrimónio se realizou antes do casamento com dona Constança Manuel. É essa nomeadamente a opinião de Agustina Bessa-Luís, que assegurou ter o matrimónio sido celebrado em 1335. O que torna as coisas ainda mais confusas e complicadas, fazendo pender sobre o rei Cruel a suspeita de bigamia ou, mesmo, de trigamia. Se nunca foi anulado o casamento de dom Pedro com dona Branca (que só faleceu em 1375), então os casamentos com dona Constança e com dona Inês não foram válidos, e os filhos deles nascidos são todos ilegítimos. Se, por outro lado, dom Pedro, tendo repudiado dona Branca com justa causa, casou com dona Inês antes de casar com dona Constança, então dom Fernando foi, antes de dom João I (também filho de dom Pedro!), o primeiro bastardo a sentar-se no trono de Portugal.

Finalmente, se o casamento de dom Pedro com dona Inês nunca existiu, então os três filhos nascidos dessa união, dona Beatriz, dom João e dom Dinis, foram ilegítimos. E, se apenas existiu a partir da data em que dom Pedro afirmou tê-lo celebrado, então só por esse casamento foram legitimados os filhos da mísera e mesquinha, que era, também ela, uma bastarda.

De facto, Inês de Castro foi o fruto dos amores de seu pai, dom Pedro Fernandes Castro, o da Guerra, com dona Aldonça Lourenço de Valadares, que não era sua legítima esposa. E quem a criou foi dona Teresa Martins, mulher de Afonso Sanches, o bastardo querido do rei dom Dinis, que dom Afonso IV execrava, o que pode ter contribuído para que o rei Bravo não a apreciasse como nora... Dê-se, porém, de barato que tudo se passou como dom Pedro disse que se tinha passado. Ou seja: que não casou, ou casou mas não consumou o casamento, com dona Branca de Castela, em 1325; que casou depois, em 1339, com dona Constança Manuel; e que, tendo enviuvado, casou, finalmente, em 1350 (ou em 1354), com dona Inês de Castro.

Do seu primeiro casamento não teve evidentemente filhos. Do segundo, nasceram três: (1) dom Luís, o afilhado de Inês de Castro, que morreu ao nascer, em 1340; (2) dona Maria, que casou com Fernando de Aragão, marquês de Tortosa; e (3) dom Fernando, que foi rei de Portugal. E do terceiro, mas antes de ele ter sido celebrado, nasceram outros quatro filhos: (1) dom Afonso, que morreu pouco depois de nascer; (2) dom João; (3) dom Dinis; e (4) dona Beatriz, todos legitimados pelo suposto matrimónio de seus pais. Além destes filhos, que serão legítimos ou não, conforme a posição que se adopte quanto aos casamentos de dom Pedro com dona Constança Manuel e com dona Inês de Castro, o rei Cruel foi pai do mais famoso dos bastardos reais, dom João, o de Boa Memória, que as cortes elegeram para suceder a seu meio-irmão dom Fernando, o Formoso. E, segundo a História Genealógica, terá tido ainda uma filha bastarda, de nome desconhecido, que se criou no Mosteiro de Santa Clara, em Coimbra, e a quem o monarca deixou cinco mil libras para casamento. Mas dela não há mais novas nem mandados.

Dom João I foi o último dos filhos de dom Pedro I. Nascido por 1357, foi entregue aos cuidados de Lourenço Martins, honrado cidadão de Lisboa, que morava junto à Sé, sendo depois confiado aos cuidados do mestre de Cristo, dom Nuno Freire Andrade. Mas, tendo falecido frei Martim (ou Martinho) Avelar, mestre da Ordem de Avis, em 1362, foi dom João ocupar o seu lugar. O rei seu pai, muito ledo, armou-o cavaleiro, beijou-o e abençoou-o. O bastardo teria então sete anos e era, segundo Oliveira Martins, rapaz manhoso, atrevido, audaz sim, mas nunca temerário». In Isabel Lencastre, Os Bastardos Reais, Os Filhos Ilegítimos,  Oficina do Livro, 2012, ISBN 978-989-555-845-2.

Cortesia de OdoLivro/JDACT

JDACT, História de Portugal, Isabel Lencastre,  O Paço Real,  Conhecimento,