quarta-feira, 4 de maio de 2022

Theresa Breslin. Prisioneira da Inquisição. «Resolvi evitar confessar-me com ele. Fracamente, ouvi o entoar de preces enquanto ele recitava seu ofício nocturno, e mergulhei num sono agitado»

 

Cortesia de wikipedia e jdact

A Chegada da Inquisição (maldita) 1490-1491

Zarita

«(…) Um dos homens acenou-lhe com a cabeça; imediatamente, o cavalariço largou o balde, espalhando a água que havia recolhido, e seguiu a passos rápidos e parou diante dele. Bartolomé era muito inocente e faria qualquer coisa para agradá-lo. Embora tivesse quase 20 anos, sua mente era a de uma criança. Minha mãe me dissera que pessoas como Bartolomé são os seres mais preciosos de Deus. São enviadas para esta terra para nos lembrar de nunca perder nosso senso de deslumbramento. Sorri ao ver Bartolomé agitar furiosamente a cabeça e abanar os braços no ar. E pensei, se esses homens pretendem se intrometer nos nossos assuntos, nada conseguirão arrancar dele que faça sentido. Mais tarde, minha antiga ama, Ardelia, trouxe-me a refeição da noite. Seu pai pediu que ficasse no seu quarto até à hora de dormir. Porquê?, perguntei. Ela baixou a voz. Dom Vicente Alonzo acha melhor que você e Lorena não estejam por perto enquanto esses homens estiverem nos visitando. Olhou para o tecto. O padre Besian vai dormir no sótão bem em cima de você. Ele pediu o quarto mais simples da casa. Os outros estão nos aposentos dos criados acima dos estábulos. Fez uma careta. Ninguém lá está falando com eles. Excepto Bartolomé, emendei. Mais cedo, eu o vi falando com eles. O quê?, Ardelia pareceu alarmada. Preciso contar isso a Serafina e Garci. Saiu apressada do quarto.

Ao apanhar a comida, minha sensação de intranquilidade aumentou. Porque Ardelia ficou tão transtornada e porque o pai queria que eu permanecesse no meu quarto? Não me importei muito com isso, em parte porque ele impôs o mesmo a Lorena, mas também porque fiquei contente por não ter de me encontrar com o padre Besian. A ideia de me confessar com ele começava a me perturbar. Não muito tempo depois de ter me recolhido para dormir, ouvi o rangido de tábuas no soalho acima de minha cabeça. O padre Besian devia estar se preparando para dormir. Se eu tivesse de me confessar com ele, o que deveria dizer? Eu detestava Lorena. Isso era um pecado contra a tolerância. Eu contara isso numa confissão ao nosso sacerdote, o padre Andrés, e ele dissera que era por causa da grande dor que eu ainda carregava pela perda de minha mãe. Esses pensamentos ruins eram sentimentos naturais, mas eu precisava superá-los. Ele me garantiu que desapareceriam, principalmente depois que Lorena tivesse um bebé, o que, sem dúvida, aconteceria em pouco tempo. Então eu amaria essa criança e passaria a aceitar Lorena melhor. Eu dissera a Serafina, mulher de Garci, que desgostava muito de Lorena, e ela, com a cabeça curvada sobre o fogão, murmurou: Não tanto quanto eu. Isso me fez rir, mas sabia que não era a reacção de que a mãezinha teria gostado, e eu tentava viver como ela gostaria que eu vivesse. Quando meus ânimos estavam baixos e esses pensamentos ameaçavam me dominar, eu ia ao convento-hospital de minha tia Beatriz e procurava um bálsamo para minha alma.

Zarita, disse-me ela, você não é sua mãe. Ela era uma santa mulher, mais santa do que eu jamais consegui ser, e sou freira. Embora esta ordem que fundei não seja reconhecida por qualquer decreto formal do papa, fiz votos a mim mesma e a Deus para preservar certas virtudes. Mas saiba disto: eu não fui a criança boa de minha família. Em minha juventude, na corte, levei uma vida mais desenfreada do que era julgado apropriado para uma garota daquela época. Minha irmã, sua mãe, era quem tinha a verdadeira bondade dentro de si. Existem poucas pessoas capazes de rivalizar com ela. Tia Beatriz puxou-me para perto dela, alisou meu cabelo e me tranquilizou. Você tem de ser você mesma, Zarita. Não pode ser outra pessoa.

Além disso, porém, pesando em minha consciência havia um outro pecado, bem maior, que eu não havia confessado a ninguém: a ocasião em que virei o rosto para Deus porque Ele não poupara a vida de minha mãe e de meu irmãozinho bebé. Enterrei isso bem fundo dentro de mim e nunca falei a respeito. Eu agora suava. Esses pensamentos se acumularam na minha mente, ao mesmo tempo que os passos do padre Besian ressoavam acima de minha cabeça. Havia em mim uma forte convicção de que, se eu ocultasse algo desse padre numa confissão, ele saberia. Resolvi evitar confessar-me com ele. Fracamente, ouvi o entoar de preces enquanto ele recitava seu ofício nocturno, e mergulhei num sono agitado». In Theresa Breslin, Prisioneira da Inquisição, 2010, Galera Record, 2014-2015, ISBN 978-850-110-256-0.

 Cortesia de GRecord/JDACT

JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Espanha,