segunda-feira, 4 de outubro de 2010

As Mulheres da República: Carolina Beatriz Ângelo. Ser cidadã de corpo inteiro. «Enfeitem tudo com plantas verdes»

(1877 ou 1878-1911)
Guarda
Cortesia de estrolabio

Cirurgiã e activista dos direitos femininos, Carolina Beatriz Ângelo foi a primeira mulher a votar em Portugal. Estava-se em 1911, a República acabara de ser Implantada em Outubro de 1910, e Carolina «torceu» a seu favor um dos «buracos» da lei ou, se se quiser, da língua portuguesa.
Estudou medicina em Lisboa, concluindo o curso em 1902. Tornou-se a primeira médica portuguesa a operar no Hospital de São José, dedicando-se mais tarde à especialidade de ginecologia. A militância cívica iniciou-a em 1906, em conjunto com outras médicas, vindo a aderir a movimentos femininos a favor da paz e da Implantação da República e à Maçonaria e tornando-se defensora dos direitos das mulheres, nomeadamente o de votar. Por toda a Europa, e não só, havia anos que as sufragistas reivindicavam ruidosamente este direito para as mulheres e a Nova Zelândia tinha-se tornado o primeiro país a concedê-lo em 1893.
Cortesia de diariodarepublicasacouto
A primeira lei eleitoral da República Portuguesa reconhecia o direito de votar aos «cidadãos portugueses com mais de 21 anos, que soubessem ler e escrever e fossem chefes de família». Carolina Ângelo viu nesta redacção da lei a oportunidade de a subverter a seu favor, dado que, gramaticalmente, o plural masculino das palavras inclui o masculino e o feminino. Viúva e com uma filha menor a cargo, com mais de 21 anos e instruída, dirigiu ao presidente da comissão recenseadora do 2º bairro de Lisboa um requerimento no sentido de o seu nome «ser incluído no novo recenseamento eleitoral a que tem de proceder-se».
Cortesia de nacguarda
A pretensão foi indeferida pela comissão recenseadora, o que a levou a apresentar recurso em tribunal, argumentando que a lei não excluía expressamente as mulheres. A 28 de Abril de 1911, o juiz João Baptista de Castro proferia a sentença que ficaria para a História: «Excluir a mulher (…) só por ser mulher (…) é simplesmente absurdo e iníquo e em oposição com as próprias ideias da democracia e justiça proclamadas pelo partido republicano. (…) Onde a lei não distingue, não pode o julgador distinguir (…) e mando que a reclamante seja incluída no recenseamento eleitoral».
Assim, a 28 de Maio de 1911, nas eleições para a Assembleia Constituinte, Carolina Beatriz Ângelo tornou-se a primeira mulher portuguesa a exercer o direito de voto.

Nesse mesmo mês, Julho de 1911, escrevia as suas últimas vontades: «Por ocasião do meu falecimento, desejo que me seja feito enterro civil. (…) Peço que, logo depois da minha morte, me coloquem em qualquer compartimento de casa sem sinal algum de luto e enfeitem tudo com plantas verdes, que eu tanto amo». A 3 de Outubro do mesmo ano, morre de síncope cardíaca.
Tinha 34 anos (ou 33 anos) de idade.
 
Cortesia de Ana Glória Lucas/JDACT