sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O Humanismo: A filosofia moral que coloca os humanos como primordiais. A História Cultural e a História Literária

Cortesia de psicologialaguia2000

Com a devida vénia a Jorge Osório, publico algumas palavras do seu trabalho O Humanismo: A intersecção da «História Cultural» com a «História Literária», (ler.letras.up, artigo 8821)
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«Comecemos pela própria palavra humanismo. Como é do conhecimento de todos, o termo é de uso relativamente recente, sendo desconhecido dos autores que viveram nos limites históricos do humanismo stricto sensu. Dir-se-ia que é o distanciamento histórico que permite ao observador do passado ver a floresta e não só a árvore. Cremos que a imagem é aceitável, se a entendermos como querendo significar que a visão do conjunto sobre o individual depende, em história da cultura, essencialmente do grau de capacidade que o observador ou o sujeito dispõem para conhecer o campo referencial e as áreas de conotação que envolvem as coisas do passado. A teoria precede a história, que a interpretação de uma obra filosófica ou não, como seja uma obra literária, depende também da concepção que o historiador faz da filosofia, da literatura ou, enfim, da cultura.

Cortesia de historiadaarte
O caso da palavra humanismo parece adaptar-se a este ponto de vista; o seu aparecimento, com um sentido bem delimitado, e não, portanto numa acepção generalizante como é o significado de amor ou philia pela humanidade, aproximadamente como o termo grego philanthropia, é muito posterior à realidade histórica a que se aplica esse nome. Quer isto dizer que a relação entre a coisa histórica e o nome se verificou, ou dela se tomou consciência, muito tarde.
O humanista era no fundo, o estudioso dos textos-literários escritos, isto é, o perito das letras, sobre as quais se postulava que assentava o conhecimento das coisas. Daí se afirmar, que o humanismo renascentista a peritia litterarum acompanhava a scientia rerum. Ora é neste ponto que reside precisamente um dos contactos interseccionais entre a história da cultura e a história da literatura, na medida em que aquela não podia dispensar o apoio desta, na perspectiva dos humanistas.

Cortesia de identidadandaluza
Mas se o Renascimento não produzira filósofos, pelo menos no sentido que o termo adquiriu no século XVIII em diante, conheceu uma grande variedade de correntes e de tendências no campo do pensamento. É evidente que condições materiais houve, como foi o caso da tipografia, mas há que levar em linha de conta os factores históricos relacionados com a afirmação de forças sociais emergentes. O humanismo postula a primazia fundamental do estudo dos textos literários e, por consequência, escritos, como base da formação cultural.
A definição de humanismo em sentido histórico implica, a intersecção da história cultural com a história literária. Dois termos hoje perfeitamente correntes, cultura e literatura, mas de emprego extremamente raro nos autores humanistas, apesar de ambos pertencerem ao vocábulo autorizado tanto por Cícero como por Quintiliano.

Cícero divulgara a comparação entre o cultivo dos campos e o cultivo do espírito do homem. Em ambos os casos o esforço surge como necessário para que os frutos nasçam e assim como um campo, ainda que fértil, nada produz sine cultura, assim também sine doctrina o espírito não dá frutos. A imagem perdurou e fixou-se na linguagem culta europeia.
Jerónimo Cardoso, em 1536, evoca a função civilizadora da philosophia por oposição à natura, deita mão da autoridade de Séneca e ainda de Cícero sobre a necessidade e o valor da fortaleza do ânimo.
Os studia humanitatis cobriam a área semântica da cultura, assumindo para si a conotação concretizante que esta palavra tinha no latim antigo e traduziam, ao mesmo tempo, a suspeição com que o homem do Renascimento, não obstante a apologia da dignitas hominis, via a natureza humana, que em tantos aspectos se assimilava à dos restantes animais.

Cortesia de jessicaejessicaelayne
A eruditio surge como algo constantemente valorizado pela sua referência a um saber adquirido pelo estudo assíduo em contacto com os textos literários. O epíteto eruditus era frequentemente acompanhado do de doctus, em discursos panegíricos como as orationes, a íntima relação entre a doctrina, dependente do acto pelagógico de docere, e a ideia de expurgação da rudez que está subjacente a erudio
O humanismo reforçou a tendência para a dignificação literária, letrada e escrita, da língua vulgar. Para além da evolução de géneros medievais de cariz artístico a que Petrarca concederá, pela sua autoridade e inovação, um futuro muito extenso, há que notar que o humanismo autorizou a imitação de géneros antigos: a elegia e a écloga, a epopeia e o epigrama, a ode e a epístola, a oratio e a declamatio, a narrativa culta e a exposição histórica.  

Erasmo de Roterdão, o homem de cultura que, no século XVI mais monopolizou o uso do latim escrito numa Europa dos humanistas, o autor do Moriae Encomium e dos Colloquia podia afirmar convictamente que ego mundi ciuis esse cupio.

Cortesia de Jorge Alves Osório/JDACT