sábado, 25 de fevereiro de 2012

Preliminares da 1ª Invasão Francesa em Portugal. Baptista Barreiros. «A intenção do imperador era evidente! A França tinha em terra, indisputada, a categoria de ‘primeira potência’ militar da Europa, mas não era senhora duma esquadra suficientemente numerosa e forte para aniquilar a inglesa»

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Separata da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, nº 21
A neutralidade portuguesa
«Depois que em 1 de Outubro de 1801 ficou; finalmente, concertado o Tratado de paz luso-espanhol, a Corte de Portugal, tendo conseguido que a França lhe aceitasse a neutralidade no conflito em que a República se envolvera com as outras ‘potências’ europeias, conflito que, afinal, só veio a terminar em Waterloo, pôs todo o seu empenho em manter essa neutralidade, e o Príncipe Regente fazia o que lhe era possível para, sem quebra de dignidade, manter as melhores relações com a França e Espanha, embora o equilíbrio dos laços de amizade com estes dois países fosse dos mais difíceis em virtude dos tratados de aliança luso-britânicos, velhos de séculos, da posição assumida pelo Gabinete londinense, de inimigo declarado da França, e do considerável predomínio naval da Inglaterra. Em 7 de Junho de 1804, o Ministro dos Estrangeiros e da Guerra, António de Azevedo, pouco tempo antes investido nestas funções, escrevia a Talleyrand a participar-lhe que o Príncipe Regente resolvera enviar um embaixador extraordinário a Paris para felicitar Bonaparte pela sua elevação ao trono imperial, e que a escolha recaíra em Lourenço de Lima ‘que vous avez connu a Paris’ e se fazia recomendável pelo nascimento ilustre e qualidades pessoais, ‘qui ont captivé la bienviellance du Marechal de l’Empire Lannes’; pedia o assentimento de S. M. I.: ‘par delicatesse et par égard pour S. M. l’Emp., souhaite avoir la certitude que ce choix lui est agreable’.
[…]
Em ofício de 21 de Junho, o ministro Araújo comunicava a Cipriano Freire que o Príncipe Regente e sua esposa, querendo dar repetidas provas de filial amor a S. M. a rainha Católica, ‘determinaram mandar-lhe a ordem de S. Isabel e també, à princesa das Astúrias’, sendo as medalhas e respectivas cartas enviadas directamente ao Príncipe da Paz, para que este fosse quem fizesse a entrega, ‘do que é natural fique lisonjeado’. A mesma medalha seria, depois, também enviada à Princesa da Paz.

Cortesia de correiodaguarda  

Esta última parte, embora a participasse o embaixador de Espanha, não deveria contudo, Cipriano declará-la; mas dizer para Lisboa qual seria o momento oportuno de o fazer, ‘para que esta prova de atenção contribua de algum modo a promover os interesses da nossa Corte’. Em 14 de Julho, porém, ainda a partida de Lourenço de Lima estava demorada por causa de Lannes ter desejado fazer viagem, para assistir à coroação, na mesma fragata que o devia levar.

Quanto a Napoleão, era o maior desejo da corte de Lisbia agradar-lhe e conseguir estabelecer com ele um “modus vivendi” baseado em recíproca amizade, o que, contudo, só seria efectivamente realizável e capaz de se manter, se as potências conviessem na paz geral.
Assim, em 18 de Fevereiro de 1805, e logo que Lourenço de Lima lho insinuou, lhe dizia Araújo que o Príncipe Regente, desejando obsequiar o imperador, lhe remetia com a maior satisfação uma medalha das de seu próprio uso com a fita das três cores e um crachá com as três ordens.
[…]
A manutenção da neutralidade, a despeito de todos os atraentes convites, como das pressões sofridas, foi a principal directriz da política externa portuguesa; depois da dura lição do “Tratado de Basileia”das dificultosas negociações de Araújo em Paris para efectuar o Tratado de 10 de Agosto de 1797, frustrado pela oposição inglesa, e da rápida campanha de 1801, compreendera-se em Lisboa quão contrária aos interesses nacionais fora a anterior política, tão declaradamente anglófila que a diplomacia portuguesa nem sequer foi apta para prever a queda de Flórida Branca e a rápida carreira do Príncipe da Paz, isto é, para considerar a possibilidade da radical modificação sofrida pela política interna e externa de Espanha, cuja causa principal residiu nos resultados da campanha do Russilhão.

 
Cortesia de jornaldenisa

De facto, cedo principiaram os convites, a princípio aliciantes, tanto da França como da Espanha, para que Portugal voltasse as costas à Inglaterra, lançando-se nos braços daqueles dois aliados.

  • Em 19 de Fevereiro de 1805, quando Junot foi nomeado embaixador em Lisboa, entregou ao Príncipe Regente uma carta de Napoleão, da qual constava a primeira insinuação directa, embora suasoriamente feita: ‘Je l’ai spécialement chargé de l’assurer (ao príncipe João) de l’intérêt que je porte à la prosperité de la Couronne de Portugal, et de l’espoir que j’ai que nos deux États marcheront d’accord, pour arriver au grand resultat de l’equilibre dês mers que ménacent l’abus de puissance et les vexations que comettent les Anglais non seulement envers l’Espagne, mais même envers toutes les puissances neutres’.
Exprimia ainda Napoleão confiança em que Portugal e a França se entenderiam ‘pour faire le plus grand tort à l’Angleterre, et la porter par la à dês idées plus saines et plus moderées’».
A intenção do imperador era evidente! A França tinha em terra, indisputada, a categoria de ‘primeira potência’ militar da Europa, mas não era senhora duma esquadra suficientemente numerosa e forte para aniquilar a inglesa». In José Baptista Barreiros, Preliminares da 1ª Invasão Francesa em Portugal, Separata da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, nº 21, 1959.

Cortesia de S. H. I. de Portugal/JDACT