quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Vila do Conde e seu Alfoz. Academia de Ciências de Lisboa. «O documento mais antigo, que menciona “Vila do Conde”, data do ano de 953, e é uma carta de venda da mesma vila (prédio rústico) feita no dia 26 de Março daquele dito ano por Flamula ‘Deo-vota’ ao mosteiro de Guimarães, representado pelo abade Gonta, e pela sua dupla comunidade de frades e freiras. Os limites da “Vila de Comite” no século X estão bem explícitos no mesmo diploma»


Cliché de Marques Abreu. Vista do monte de Sant’Ana
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«Vila do Conde é indiscutivelmente na sua origem uma “villa romana”, que, começando por ser um ‘prédio rústico’ de superfície extensa, pela sua situação perto da foz do Ave se transformou no século XIII em uma “povoação urbana”; contudo ignora-se não só o seu nome latino primitivo, mas até quem foi o conde, que na época da reconquista cristã, lhe impôs o nome, como sinal da sua ocupação jurídica, e pelo qual é designada desde o século décimo (Vila de Comite: o conde Mendo Paes Bofinho não podia dar o nome à vila, pois viveu numa época muito posterior; porquanto assina a doação do Burgoi do Poreto feita pela rainha Teresa ao bispo Hugo em 1120).
O documento mais antigo, que menciona “Vila do Conde”, data do ano de 953, e é uma carta de venda da mesma vila (prédio rústico) feita no dia 26 de Março daquele dito ano por Flamula ‘Deo-vota’ ao mosteiro de Guimarães, representado pelo abade Gonta, e pela sua dupla comunidade de frades e freiras. Os limites da “Vila de Comite” no século X estão bem explícitos no mesmo diploma:
  • ‘Quomodo dividet cumn Villa Fromarici et cum Villa Euracini et inde per aqua maris usque in suos términos antiquos ab intecro vobis concedimus cum suas salinas et cum piscarias et ecclesia quae est fundata in castro vocitato Santo Johanne’.
Vila do Conde é limitada ainda, como então, a nascente e norte por Formariz, ‘Fromarici’, e Póvoa de Varzim, ‘Euracini’, pelos outros lados fica o mar e o rio Ave; estes limites são os antigos, “in suos términos antiquos”; ora os antigos, para os homens do século X, eram a anterior sociedade germânica, que se fundira completamente na romana.

Cliché de Marques Abreu. Fachada do extinto mosteiro de S. Clara
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Os Suevos e Visigodos, apoderando-se do país romanizado, conservaram cuidadosamente as limitações anteriores das propriedades, como dispunha o código visigótico, e isto mesmo estava no seu interesse, pois assim mais facilmente se efectuaria o lançamento dos tributos; portanto, dizendo-nos aquele título que a “Villa de Comite” estava limitada pelos “suos términos antiquos” indica-nos até onde ascendia essa antiguidade, quer dizer, o prédio rústico antigo, que eles assinalavam, tinha sido fundado e demarcado primitivamente no período romano.
Vila do Conde possuía já uma igreja dedicada a S. João no sítio hoje ocupado pela Igreja e Asilo da Ordem Terceira de S. Francisco, e ainda como reminiscências da denominação do “Castro” existe perto o Casal de S. João, e no fundo do montículo a Fonte de S. João.
O “Castro”, mencionado neste documento do século X, também nos aparece designado no fragmento das actas do chamado Concílio de Lugo, onde se diz ter sido feita a demarcação das dioceses, devendo a redacção deste diploma ser da mesma época. Ali dá-se como limite do arcebispado de Braga por este lado “a corrente do Ave desde Burgães (Santo Tirso) até ao Castro (Vila do Conde)”.

No meado do século XI ainda a “Villa do Comite” estava na posse do mosteiro duplex de Guimarães, porquanto encontra-se descrita no Inventário dos bens do mesmo convento feito no ano de 1059, sob o império de Fernando Magno, rei de Leão e Galiza:
  • ‘Eatenus et in ripa maris ad foze de Ave Villa de Comitis cum suas salinas et piscarias et ecclesia Sancti Johannis’.
Contudo, documentos posteriores convencem de que em 953 a “Villa de Comite”, embora fosse uma simples unidade rural e estivesse integra, não pertencia a um único proprietário; de modo que a alienação feita naquela data apenas recaiu na ‘Igreja e terrenos que a dotavam, nos qaes incidia o direito de apresentação do parocho’; com a igreja e terrenos anexos a vendedora incluiu no contrato as ‘pesqueiras e salinas’ que faziam parte do seu herdamento, pois até destas havia outros proprietários; porquanto no “Liber Fidei” encontram-se duas doações de doze talhos de salinas em Vila do Conde e de cinco talhos na foz do Ave feitas por ‘Froila Cresconis’ ao bispo de Braga, Pedro e seu cabido, no ano de 1078». Vila do Conde e seu Alfoz, Origens e Monumentos, Augusto Ferreira, Tipografia Porto Médico, Porto, 1923.

Cliché de Marques Abreu. Fachada meridional da igreja do extinto mosteiro de S. Clara
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Cortesia de T. Porto Médico/JDACT