terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A Tertúlia Ocidental. António José Saraiva. «Oliveira Martins inclui nesta breve cena dramática os três principais autores da tertúlia, que se reunia em Lisboa a partir de 1870, autores que mantiveram entre si, durante mais de vinte anos, um contacto permanente, mesmo quando separados por centenas de quilómetros de terra e de mar»

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«Escreve Oliveira Martins em 1885 na introdução aos “Sonetos Completos de Antero de Quental”, publicados por J. P. Oliveira Martins:
  • ‘Um dos nossos queridos amigos, um dos que conhecem de perto Antero de Quental, e somente o conhece quem com ele viveu longo tempo na intimidade, interroga-me geralmente deste modo; - E Santo Antero como vai?
O terceiro amigo, o que pergunta, sabemos que é Eça de Queiroz, autor desse retrato maravilhoso publicado no “In Memoriam” de Antero sob o título “Um génio que era um santo”.
Oliveira Martins inclui nesta breve cena dramática os três principais autores da tertúlia, que se reunia em Lisboa a partir de 1870, autores que mantiveram entre si, durante mais de vinte anos, um contacto permanente, mesmo quando separados por centenas de quilómetros de terra e de mar. Colocado em Newcastle, Bristol ou Paris, Eça de Queiroz foi testemunha, no Porto, da redacção de um dos capítulos da “História da República Romana” e viu como, durante 48 horas consecutivas, dia e noite, o autor empurrava, pelas artérias de Roma, o triunfo de Paulo Emílio. Anos mais tarde Queiroz foi o confidente epistolar dos últimos e amargos momentos de Oliveira Martins, a quem acompanhou com cartas carinhosas. Quanto a Antero, tão diferente de Martins pelo carácter, foi, desde o momento em que se conheceram até ao seu desaparecimento definitivo, o amigo dilecto, o ‘alter ego’, a quem confidenciava, não apenas os projectos literários, mas inclusivamente os políticos.

Cortesia de esquerdamon

Há, uma consciência comum a estes três homens, que se influenciavam mutuamente, como se viu no episódio do “ultimatum” inglês de 1890: Oliveira Martins estudou a questão africana com a sua habitual competência nos artigos coligidos em “Portugal em África (1891); Eça de Queiroz interveio, por meio das suas crónicas assinadas ou não, na “Revista de Portugal”; Antero aceitou presidir ao movimento de ‘resgate nacional’ que pretendia ser a Liga Patriótica do Norte. Em relação à Liga, Oliveira Martins tentou afastar Antero desse movimento, que resultou numa amarga desilusão, donde, provavelmente, se motivou o desastre final do poeta.
Cumpre acrescentar um quarto personagem, Jaime Batalha Reis, que nos deixou um inesquecível retrato de Eça no prefácio da lª edição das “Prosas Bárbaras”. Batalha Reis, com Antero, Queiroz, Martins, deu a sua quota-parte no movimento desencadeado pelo “ultimatum” de 1890.

Estes homens e outros do mesmo grupo revelaram entre si, e ainda com outros, uma capacidade de colaboração que é rara em Portugal. Os sonetos de Antero impressos em 1885 têm no frontispício a indicação ‘publicados por J. P. Oliveira Martins’. Não sabemos exactamente o que significa isto, mas significa pelo menos uma afirmação pública de solidariedade, e possivelmente uma colaboração na revisão de provas. Além disso, algumas composições, que Antero destruíra, foram recuperadas pelo seu amigo, que guardara cópias. É o caso das ‘poesias 1úgubres’.

Cortesia de ebpisci

Mas já em 69, participando no ‘Cenáculo’ da travessa do Guarda-Mor, Antero e Eça tinham criado um poeta imaginário, Carlos Fradique Mendes, que é como que um heterónimo colectivo e uma ‘escola satânica’; essa invenção, em que participou Jaime Batalha Reis, foi continuada mais tarde por Antero no “Primeiro de Janeiro” e por Eça de Queiroz no jornal “A Província” (dirigido por Oliveira Martins) e na “Revista de Portugal” (do próprio Eça de Queiroz).
Eça, com Ramalho, escreveu um romance que é uma das obras-primas do romance romântico em Portugal, “O Mistério da Estrada de Sintra”, e escreveu sobretudo “As Farpas” que, na sua lª fase, são como um eco do Cenáculo e das Conferências do Casino.

Ramalho foi especial amigo de Eça Queiroz até ao fim da vida deste, mas teve com Antero relações mais distantes. Escusou-se de colaborar no “In Memoriam” de Antero apesar do pedido insistente de Oliveira Martins. Este, aliás, que provavelmente conhecia bem os sentimentos recíprocos dos dois homens, compreendeu e aceitou essa recusa. Ramalho também não colaborou nas Conferências do Casino.

As Conferências foram lideradas por Antero, e os seus colaboradores eram seus amigos do Cenáculo, tanto do de Coimbra como do de Lisboa. Colaborou nelas Eça de Queiroz; estavam previstas conferências de Jaime Batalha Reis e Oliveira Martins, então ausente em Santa Eufémia. Participou também um amigo dilecto de Martins, Augusto Soromenho, e foi ‘administrador’ delas José Fontana, amigo de Martins e de Antero». In Tertúlia Ocidental. Estudos sobre Antero de Quental, Oliveira Martins, Eça de Queiroz e Outros, António José Saraiva, Herdeiros de António José Saraiva e Gradiva Publicações, 1996, ISBN 972-662-475-4.

Cortesia de Gradiva/JDACT