domingo, 29 de novembro de 2020

As Areias do Tempo. Sidney Sheldon. «É tempo do bispo ser informado sobre quem manda na Espanha. O bispo Calvo Ibáñez era magro, aparência frágil, uma nuvem de cabelos brancos turbilhonando em torno da cabeça»

Cortesia de wikipedia e jdact

Madrid

«(…) Todos se levantaram para sair, à excepção do coronel Acoca, que ficou. Leopoldo Martínez começou a andar de um lado para o outro. Malditos bascos. Porque não podem ficar satisfeitos em serem apenas espanhóis? O que mais querem? São ávidos por poder, disse Acoca. Querem autonomia, sua própria língua e bandeira... Não enquanto eu ocupar este cargo. Não permitirei que destruam a Espanha. O governo lhes dirá o que podem e o que não podem fazer. Não passam de uma ralé (?) que... Um assessor entrou na sala. Com licença, Excelência. O bispo Ibáñez chegou. Mande-o entrar. Os olhos do coronel contraíram-se. Pode estar certo de que a Igreja se encontra por trás de tudo isso. É tempo de lhes ensinarmos uma lição. A Igreja é uma das grandes ironias da nossa história, pensou o coronel Acoca, amargurado.

No começo da Guerra Civil, a Igreja Católica ficara do lado das forças nacionalistas. O papa apoiava o Genralíssimo Franco, e com isso lhe permitira proclamar que lutava no lado de Deus (?). Mas quando as igrejas, mosteiros e padres bascos foram atacados, a Igreja retirara esse apoio. Deve conceder mais liberdade aos bascos e catalães, exigira a Igreja. E deve suspender as execuções de padres bascos. O Generalíssimo Franco ficara furioso. Como a Igreja ousava fazer exigências ao governo? Iniciara-se então uma guerra de atributos. Mais igrejas e mosteiros foram atacados pelas forças de Franco. Freiras e padres foram assassinados. Bispos foram postos sob prisão domiciliar, e sacerdotes por toda a Espanha foram multados por fazerem sermões considerados sediciosos pelo governo. Só quando a Igreja o ameaçou de excomunhão é que Franco interrompeu os ataques. A maldita igreja!, pensou Acoca. Voltara a interferir após a morte de Franco. Ele virou-se para o primeiro-ministro.

É tempo do bispo ser informado sobre quem manda na Espanha. O bispo Calvo Ibáñez era magro, aparência frágil, uma nuvem de cabelos brancos turbilhonando em torno da cabeça. Olhou os dois homens através do pincenez. Buenas tardes. O coronel Acoca sentiu a bílis subir pela garganta. A mera visão dos cléricos deixava-o doente. Eram traidores levando seus estúpidos cordeiros para o matadouro. O bispo ficou parado, à espera de um convite para se sentar. O que não aconteceu. E também não foi apresentado ao coronel. Era uma desfeita deliberada. O primeiro-ministro olhou para Acoca, em busca de orientação. O coronel disse, bruscamente: recebemos algumas informações desagradáveis. Dizem que rebeldes bascos estão realizando reuniões em mosteiros católicos. Também há informações de que a Igreja está permitindo que mosteiros e conventos guardem armas para os rebeldes. Havia ódio na sua voz. Ao ajudarem os inimigos da Espanha, vocês também se tornam inimigos da Espanha. O bispo Ibáñez fitou-o em silêncio por um momento, depois virou-se para o primeiro-ministro Martínez. Com todo o respeito, Excelência, somos todos filhos da Espanha. Os bascos não são inimigos. Tudo o que pedem é liberdade para... Eles não pedem!, bradou Acoca. Exigem! Circulam pelo país saqueando, assaltando bancos e matando polícias... E ainda ousa dizer que não são nossos inimigos? Reconheço que houve excessos indesculpáveis. Mas às vezes, quando se luta por aquilo em que se acredita... Eles não acreditam em coisa alguma, a não ser em si mesmos. Não se importam com a Espanha». In Sidney Sheldon, As Areias do Tempo, 1989, Publicações Europa-América, 2003, ISBN 978-972-105-176-8.

Cortesia PEuropaAmérica/JDACT

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