Bastia. Córsega
«(…) Garanto, meu senhor, disse,
que não sou um homem a ser temido. O corso riu. Espero que assim seja. A
violência não o levaria a lugar algum. Afinal, o senhor procura pelo ouro de
Rommel. Um belo tesouro. E é possível que eu saiba onde ele se encontra. O
homem era tão importuno quanto observador. Mas era também um mentiroso confesso.
Você me deixou num beco sem saída. A silhueta escura deu uma risada. O senhor
estava pressionando demais. Não posso dar-me ao luxo de atrair qualquer tipo de
atenção. Alguém poderia tomar conhecimento. Essa ilha é pequena e, se
encontrarmos o tesouro, quero poder garantir a minha parte. O homem trabalhava
para a Assemblée de Corse, fora de Ajaccio. Era funcionário público inferior do
governo regional da Córsega, que tinha acesso a uma grande quantidade de
informações. E quem tiraria nosso achado de nós?, indagou. Gente daqui, de
Bastia, que continua com as suas buscas. Outros que residem na França e na
Itália. Há homens morrendo por esse tesouro.
O tolo aparentemente preferia
conversar sem pressa, fazendo alusões e sugestões, progredindo a passos lentos
até ao ponto de chegada. Mas Ashby não tinha tempo. Fez um sinal e um terceiro
homem emergiu da escadaria. Usava um sobretudo cinza-chumbo, que combinava
perfeitamente com os cabelos rígidos e grisalhos. Os olhos eram penetrantes, o
rosto estreito afilava-se num queixo pontudo. Caminhou directamente até ao
corso e parou. Este é o sr. Guildhall, disse Ashby. Talvez se lembre dele, da
nossa última visita? O corso estendeu-lhe uma das mãos, mas Guildhall manteve
as dele nos bolsos do casaco. Sim, respondeu o corso. Ele nunca sorri? Ashby
balançou a cabeça. Uma coisa terrível. Há alguns anos, o sr. Guildhall
envolveu-se numa contenda horrorosa, que resultou em cortes no rosto e no
pescoço. Como pode ver, recuperou-se, mas, como sequela, um nervo ficou
danificado, o que comprometeu os movimentos dos músculos faciais. Por isso,
nada de sorrisos. E quanto à pessoa que fez os cortes? Ah, excelente pergunta.
Cem por cento morto. Pescoço quebrado. Percebeu que deixara tudo bem claro e
então virou-se para Guildhall e indagou: o que descobriu? O empregado retirou
um pequeno volume do bolso e o entregou a ele. À luz fraca, notou o título
desbotado, em francês. Napoleão, das Tulherias a Santa Helena. Uma das inúmeras
memórias que haviam sido impressas após a morte de
Napoleão em 1821.
Como...,
como conseguiu isso?, indagou o corso. Sorrindo, ele respondeu: enquanto o
senhor me deixou esperando aqui, no alto da torre, o sr. Guildhall fez uma
busca na sua casa. Não sou completamente burro. O corso deu de ombros. É apenas
uma memória enfadonha. Leio muito sobre Napoleão. Foi o que disse o seu
parceiro. Viu que agora tinha a total atenção do seu interlocutor. Eu e ele,
mais o sr. Guildhall, tivemos uma excelente conversa. Como soube da existência
de Gustave? Ele deu de ombros.
Não
foi difícil descobrir. Vocês dois têm procurado pelo ouro de Rommel há muito
tempo. São, talvez, as pessoas que mais sabem sobre o assunto. Vocês o
machucaram? Percebeu o tom alarmado da questão. Por Deus, meu bom homem, não!
Pensa que sou um vilão? Pertenço a uma família aristocrática. Sou dono de um
império. Um financeiro de respeito. Não um gangster. Claro que o seu Gustave
também mentiu para mim. Ele fez um movimento rápido com a mão, e Guildhall
segurou o homem por um ombro e uma das pernas das calças, que sobressaía da
batina. O minúsculo corso ficou arqueado para cima entre os parapeitos, e
Guildhall o empurrou para fora, encontrando a melhor posição para segurá-lo
pelos tornozelos, o corpo agora de cabeça para baixo na parede externa, 20
metros acima do pavimento de pedra. A batina esvoaçou à brisa nocturna.
Ashby
esticou a cabeça para fora de outro parapeito. É uma pena, mas o sr. Guildhall
e eu não temos a mesma opinião quanto ao uso da violência. Saiba que se emitir
um único sinal de alarme ele o soltará. Compreende? Viu uma cabeça balançando
para cima e para baixo. Agora chegou o momento de termos uma conversa séria». In Steve Berry,
Vingança em Paris, 2011, Livros d’Hoje, 2012, ISBN 978-972-204-916-0.
Cortesia de Ld’Hoje/JDACT
JDACT, Steve Berry, Literatura,