«(…) Aqui é o teu quarto, disse Broichan, colocando uma vela em cima de uma prateleira. Bridei olhou para o quarto com a cama estreita, para a arca e para a pequena janela quadrada que dava para os vidoeiros sussurrantes e para uma mancha de céu escuro. Pareces cansado. Dorme. Amanhã começamos a tua educação. Em Pitnochie, as pessoas estavam sempre ocupadas. Bridei tornou-se especialista em evitar Mara, a governanta de rosto severo e Ferat, o cozinheiro sempre irritado, quando davam ordens às suas infelizes ajudantes, limpavam energicamente o pó ou viravam um carneiro no espêto. Também Wid e Erip estavam sempre a fazer alguma coisa. Além disso discutiam muito um com o outro, mas nunca se zangavam, simplesmente discordavam em muitas coisas. Bridei também andava sempre ocupado. As aulas de Broichan eram difíceis.
Começavam pelo conhecimento das
plantas, das árvores e dos animais, e incluíam a prática disciplinada do silêncio
e da concentração. Bridei era uns anos mais novo do que os rapazes que iam para
o bosque aprender a ser druidas, disse Broichan, mas já tinha idade suficiente.
Durante uns tempos, Bridei à noite não era capaz de adormecer e só lhe apetecia
chorar. Porém, em breve começou a esquecer-se da mãe, do pai e dos irmãos mais velhos.
As coisas pequenas ficaram: o cinto do pai, largo, de pele escura, com uma fivela
de prata em forma de cavalo. Um perfume suave a violetas ou flores de jardim,
que associava à mãe. Quando essas memórias começaram a desaparecer, recordava-se
das palavras de despedida do pai: obedece
ao teu pai adoptivo em todas as coisas. Obedece, aprende e não chores. As
estações passaram e Bridei seguiu à risca as instruções do pai. De certo modo,
sentia-se satisfeito por poder corresponder às suas expectativas. Erip e Wid, que
também desempenhavam um papel na sua educação, explicaram-lhe o que era a adopção:
como ajudava as famílias a constituir alianças e como fazia dos rapazes homens
fortes e mais úteis quando regressavam para casa. O jovem perguntou a Broichan
porque razão a sua família escolhera a ele e não a nenhum dos irmãos. Porque tu
eras o mais inteligente, disse o druida. Quando é que volto para casa?
Broichan
fitou-o com os olhos escuros e impassíveis. Só os deuses é que podem responder
a essa pergunta, Bridei, disse o druida. Não te sentes bem aqui em Pitnochie? Sinto,
meu senhor, respondeu o jovem, e dizia a verdade, porque gostava das aulas. Porém,
às vezes perguntava a si próprio porque razão estava ali. Então não faças
novamente essa pergunta. Erip, o careca, e Wid, o nariz de falcão, rapidamente
se tornaram amigos de Bridei. Ambos sabiam muitas coisas. Durante o primeiro
Inverno, Bridei aprendeu o jogo com as pequenas figuras esculpidas. Wid
ensinou-o a fazer um corvo, um veado e uma lebre com a sombra dos dedos na
parede, colocando uma vela por trás. Estavam todos a rir-se das imagens quando
Broichan, impassível, projectou uma imagem na parede que não podia ter sido
feita com as mãos em frente de uma vela, qual seria o homem que, com dez dedos
apenas, conseguia imitar um dragão cuspindo fogo, de asas a bater, perseguindo
uma hoste de guerreiros aterrorizados?» In Juliet Marillier, O Espelho Negro,
Crónicas de Bridei, 2005, Editora 11 X 17, 2010, ISBN 978-972-252-138-3.
Cortesia de Editora 11X17/JDACT
JDACT, Juliet Marillier, Literatura,