Inquisição (maldita). Viena
«(…) Vejo que lá travaste
conhecimento com o senhor bispo Martin de Utreque. O imperador, um homem
altivo, com as costas ligeiramente curvadas pelo peso dos anos, mantinha a
postura de quem comanda metade do mundo conhecido. Homem de poucas palavras, a
sua frieza vienense tomava conta do que restava da sua naturalidade de
Valladolid.
Já sim, meu tio. Também pedi que
fosse portador de uma mensagem junto do nosso santo padre, levando até ele as minhas
preocupações. Podemos falar a sós por um momento, don Felipe? O imperador chamava
a atenção ao sobrinho, não o querendo repreender em púb1ico. Don Juan de Áustria
e o bispo Martin compreenderam e deram um passo para o lado, afastando-se o
suficiente para não perturbar a conversa. Don Fernando aparentava não estar
satisfeito e fazia saber isso mesmo, repreendendo don Felipe como se fosse uma
criança mal-comportada.
Don Felipe, quero que saibas que
desde que o teu pai me entregou o trono onde me sento, nunca permiti que estes
corredores se tornassem palco para conspiração de traições. Nestas mesmas
salas, repreendi e fui repreendido pelo vosso pai, Deus o tenha e, não raras vezes,
eu e o meu irmão Carlos discordámos sobre muitos assuntos de estado. Aqui mesmo,
onde nos encontramos, tomámos a decisão de nos afastarmos porque a sua ideia de
império contrariava as minhas ideias de liberdade. Decidi não mais o visitar,
apesar das suas insistências. Sempre fui leal à sua posição e ao princípio de
que a nossa família está sempre em primeiro lugar. Foi sob esse acordo que a
minha filha Maria se tornou regente do conselho de Governadores de Aragão e
permaneceu na capital aragonesa de Saragoça durante o vosso reinado, sempre
fiel aos reinos das Espanhas.
Meu tio, o que compreendeis vós
sobre a política da Península Ibérica? Don Felipe não gostava de ser chamado à
atenção. Poderíeis ter sido rei nas Espanhas e, pela mão do meu pai, foi-vos
concedido um exílio dourado aqui na velha capitai. Don Felipe desdenhava das
palavras do tio. Ardiam-lhe memórias de outros tempos, de quando se tinham
encontrado para decidir a separação do império e o lugar de Rei de Romanos que
lhe deveria pertencer». In Ricardo Costa Correia, O Regresso do
Desejado, 2019, EGO Editora, 2019, ISBN 978-108-871-222-1.
Cortesia de EGOE/JDACT
JDACT, Ricardo Costa Correia, Literatura, Espanha, Alcácer-Quibir,