terça-feira, 11 de maio de 2021

Prisioneira da Inquisição. Theresa Breslin. «Estamos apenas na metade de Dezembro, aleguei. Ainda não se passaram nem seis meses desde a morte de minha mãe. A ideia não foi minha, respondeu»

Cortesia de wikipedia e jdact

Zarita

A chegada da Inquisição (maldita). 1490 - 1491

«(…) Caminhei rapidamente para a casa que ela indicou. Mas, quando chegámos perto da porta, Garci recuou. É a casa de um judeu, disse ele, e se benzeu. É a casa de um médico que pode nos ajudar, retruquei. Um homem abriu a porta da frente e permaneceu na entrada. Porque estão parados na rua olhando para a minha casa? Garci pôs a mão no meu braço para me afastar dali. O homem pareceu se divertir com isso e fez menção de voltar para dentro. Falei rapidamente: estou procurando uma mulher, uma mulher em particular, que está doente. Informei tudo o que sabia sobre a esposa do mendigo.

Talvez eu conheça essa pessoa, observou ele. Dias atrás, fui chamado por uma vizinha para cuidar de uma mulher que, segundo ela, estava gravemente doente. A vizinha me disse que o marido dessa mulher fora executado e que o filho dela havia desaparecido, não voltou para casa, e por isso não havia ninguém para cuidar dela. Peguei minha bolsa e a coloquei diante dele. Pode pegar o dinheiro necessário para comprar remédios para ela e pagar pelo tempo gasto para curá-la. Ele pendeu a cabeça para um lado e me inspecionou. Isso é um acto de misericórdia, ou de uma consciência pesada?, perguntou tranquilamente. Atrás do véu, meu rosto enrubesceu de vergonha e não consegui responder. Teria ele ouvido a história de como o mendigo havia morrido? Teria me reconhecido como a filha do magistrado? Não importa. Ele pareceu chegar a uma decisão. Eu a levarei até ela.

A mulher estava deitada num catre de palha num quarto do andar superior de uma casa a duas ruas de distância. Quando entramos, algo se moveu apressado no canto mais distante, fazendo a mulher se agitar e gritar. O médico se curvou sobre ela e lhe falou rapidamente numa língua desconhecida para mim. Perto da porta, Garci voltou a se benzer. O médico a ergueu e a ajudou a tomar um líquido de uma garrafa que havia levado. Então ela afundou novamente na cama improvisada, seu corpo nada mais do que uma trouxa de ossos. Ela a conhece?, indagou-me o médico. Sacudi a cabeça, negando. Não faria qualquer diferença, disse ele. Ela está distante demais da capacidade de reconhecer alguém. Ele puxou o cobertor sobre ela e nos conduziu para fora do quarto. Novamente ofereci-lhe minha bolsa. A mulher está morrendo, admitiu. Não posso curá-la. Ninguém pode. A boa vizinha lhe traz todos os dias uma sopa rala e um pouco de água, pois ela não consegue ingerir nada além disso, e eu venho diariamente lhe dar um opiato para amenizar a sua dor durante a noite. — Ergueu os olhos e encarou os meus atrás do véu. Guarde seu dinheiro e gaste-o onde for capaz de ajudar os vivos. Olhou a rua de cima a baixo. Sua insinuação foi óbvia. Depois que ele nos deixou, virei-me e falei para Garci: precisamos tirá-la daqui, para longe dos bichos que infestam essa casa. Se movimentá-la, ela morrerá, disse Garci. Ela morrerá de qualquer maneira. Vamos ajudá-la a morrer em melhores condições do que estas. Não podemos levá-la para sua casa! Garci ficou horrorizado. Eu sabia disso. Meu pai não admitiria tal intrusão. Não, falei, vamos levá-la para um lugar tranquilo onde ela será tratada com amor. Portanto, foi no convento-hospital da minha tia Beatriz que ajudei a cuidar da esposa do mendigo durante as últimas semanas de sua vida.

No passado talvez eu conseguisse persuadir, com adulações, meu pai a deixar a mulher moribunda ser trazida para nossa casa, ao menos para os aposentos dos criados acima dos estábulos, pois muitas vezes bajulava-o para que ele concordasse com algo que havia proibido inicialmente. Minha influência, porém, diminuía à medida que a condessa Lorena de Braganza se tornava uma presença quase constante na minha casa. Eu estava tão envolvida com as minhas visitas ao convento-hospital para cuidar da esposa do mendigo que se passou mais ou menos um mês antes de me dar conta da extensão do poder de Lorena sobre o pai. Certo dia, ao chegar em casa, vi que as nossas cortinas pretas de luto haviam sido retiradas das janelas. Fui falar com Serafina e a encontrei guardando-as em caixas. Seu rosto não mostrou qualquer emoção quando lhe perguntei por que fizera isso.

Estamos apenas na metade de Dezembro, aleguei. Ainda não se passaram nem seis meses desde a morte de minha mãe. A ideia não foi minha, respondeu. Seu pai me mandou fazer isso. Em seguida, acrescentou: acredito que a condessa Lorena de Braganza deve ter sugerido isso a ele. Ela acha que a casa precisa de alegria para a época de Natal. Então, para minha raiva, descobri que Lorena estivera aconselhando o pai sobre mim, dizendo que eu não era capaz de cuidar de um lar tão importante quanto o dele; que eu era uma garota insensata e que provara isso por ter saído sem uma dama de companhia; que o incidente na igreja havia maculado minha reputação; e que eu deveria rapidamente ser mandada para um convento ou me casar com alguém que me aceitasse. Notei também que ela se aproximara de Ramón Salazar, conversando longamente com ele, fingindo pedir sua opinião sobre os assuntos mais triviais». In Theresa Breslin, Prisioneira da Inquisição, 2010, Editora Galera Record, 2014, ISBN 978-850-113-940-0.

Cortesia de EGaleraR/JDACT

JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Século XV, Religião,