quarta-feira, 12 de maio de 2010

A Ópera em Salvaterra de Magos: No Carnaval de 1765. Tocava-se «Demetrius» de Metastásio

A Capela Real
Cortesia da CMSalvaterra de Magos
Capela do antigo Paço Real de Salvaterra de Magos (Imóvel de Interesse Público)
Miguel Arruda (orientação das obras de reedificação do Paço, ordenadas pelo Infante D. Luís); Custódio Vieira (direcção das obras do Paço, em meados do Séc. XVIII); Giovanni Carlo Bibiena e Giacomo Azzolini (Casa da Ópera); João Frederico Ludovice e Carlos Mardel (reconstrução pós terramoto); Petronio Mazoni (construção do novo picadeiro, junto ao Paço).

Um pouco da História do Paço Real:
«1383 - Assinado dentro do Palácio Real de Salvaterra de Magos, o contrato de casamento da infanta D.Beatriz com D.João I de Castela, sendo de presumir que o Paço já existisse; Séc. 16, primeira metade - Reedificação do Paço por ordem do Infante D. Luís, Duque de Beja, para quem transita o senhorio da Vila de Salvaterra; 1514 - Fundação da capela pelo Infante D. Luís; Séc. 16 - Por ordem do Cardeal D. Henrique, o senhorio de Salvaterra, herdado por D. António, Prior do Crato, é integrado com todas as suas propriedades na casa real; Séc. 16, finais - Filipe II atribui um orçamento anual de 80 mil reis para ampliação e conservação do Paço; 1689, 15 de Dezembro - Manuel do Couto é nomeado Mestre de Obras do Paço; 1690 - ampliação e renovação do Paço por ordem de D. Pedro II; Séc. 18, meados - Ampliação e remodelação dos edifícios do Paço e construção de uma casa da Ópera por ordem de D. José; 1734 / 1747 - Obra do Paço é dirigida por Custódio Vieira; 1747 - Carlos Mardel sucede a Custódio Vieira na direcção da obra do Paço; 1753 / 1792 - Representam-se numerosos espectáculos de ópera da autoria de Jomelli, Cimarosa, Sousa Carvalho e David Peres entre outros, com cenários de Bibiena, Azzolini, Piolti e Oliveira Bernardes (CORREIA, 1990); 1755 - O Paço é gravemente danificado pelo terramoto, sendo nos anos seguintes, objecto de profundas obras de restauro e reconstrução, que incluiram a casa da Ópera e a Falcoaria; Séc. 18, segunda metade - São numerosas as deslocações da família real a Salvaterra; 1775 - Construção de um novo picadeiro, junto ao Paço; 1788, 29 de Janeiro - Casamento do duque de Lafões com D. Henriqueta de Menezes, filha do Marquês de Marialva, realizado na Capela Real de Salvaterra, tendo sido padrinhos a rainha D. Maria I e o Príncipe D. José; Séc. 18, finais - Mantém-se a conservação periódica do Paço, mas as estadias da família real vão sendo progressivamente mais raras; 1815 - alojamento das tropas francesas; o almoxarife do Paço faz insistentes pedidos de obras; 1817 - Incêndio provoca graves danos no Paço, salvando-se apenas a Capela, a Falcoaria, a casa da Ópera e duas das nove chaminés das cozinhas; 1818, 28 de Setembro - Outro incêndio agrava o estado de ruína em que o Paço já se encontrava; 1827 - A pedido de António Eliseu da Costa Freire, almoxarife do Paço, são realizados alguns consertos; 1833, 30 de Janeiro - O almoxarife do Paço participa ao Conde de Basto a necessidade de reparações em parte da Falcoaria, nas coberturas da Ópera que se encontravam em ruínas, na galeria das damas e nas cozinhas, das quais restavam apenas duas chaminés; 1849, 10 de Setembro - A rainha D.Maria I determina a cedência ao Estado de todos os prédios da Coroa, dependentes do Almoxarifado de Salvaterra, incluindo o que restava do Paço, Capela, cavalariças, pombais e Falcoaria, que se encoantravam já bastante arruinados; 1858 - Tremor de terra provoca o demoronamento do paredão da fachada do Paço real; por essa época e durante cerca de sessenta anos a Capela, de invocação do Bom Jesus, serviu de igreja Matriz; 1862 / 1863 - Exceptuando a Capela, as ruínas do Paço são arrematadas em hasta pública e parte das suas paredes demolidas, aproveitando-se a pedra para as ruas e estradas do concelho; os proprietários particulares das construções que ainda restavam vão modificando a sua traça primitiva com remodelações, substituições de telhados e construção de anexos; 1950 - as chaminés encontram-se transformadas em armazéns e a Falcoaria em casa de habitação». In pbase, Rosário Gordalina e Mónica Figueiredo.
 
O Palácio da Falcoaria
Cortesia da CMSalvaterra de Magos
No âmbito da sua tese de Doutoramento, relacionada com teatros regios portugueses da segunda metade do século XVIII, a investigadora Aline Gallasch-Hall recolheu muita informação, nomeadamente descrições, desses espaços cénicos e das suas apresentações.
Com a devina vénia para Aline Gallasch-Hall vou transcrever algumas das suas palavras.
«... que está publicada em Joaquim Manuel da Silva Correia, e Natália Brito Correia Guedes, O Paço Real de Salvaterra de Magos, A corte, a Ópera, a Falcoaria, Lisboa, Livros Horizonte, 1989. A partir de Joaquim Veríssimo Serrão, Notícia de uma viagem a Portugal 1765-1766, Lisboa : [s.n.], 1960.


A descrição é de uma noite na Ópera em Salvaterra de Magos, no Carnaval de 1765:
«à noite assistimos à ópera composta por 80 músicos italianos, não só com instrumentistas, mas também cantores; como a Rainha não gosta de actrizes, os papéis demininos são executados por jovens castrados que têm vozes encantadoras, tão bem vestidos e representando com tanta perfeição que quem não estiver prevenido, enganar-se-á.
Tocava-se “Demetrius” de Metastásio, em que a música do Sr. Perez é de grande beleza, quer em fases quer em acompanhamento, e os instrumentos estão tão bem ligados às vozes que se pode dizer que é uma das melhores óperas que existe na Europa.
Esta ópera de Demetrius custou ao rei 200 mil cruzados. O guarda-roupa, bordado a ouro e prata finos, é riquíssimo, bordado em Milão. As decorações são pintadas pelos melhores pintores. O rei, a rainha, a princesa do Brasil e as princesas suas irmãs, são grandes músicos e cantam bem (…).
A sala de espectáculos de Salvaterra tem uma lotação de 500 pessoas; tem 3 filas de camarotes de primeira (três camarotes de cada lado); ao fundo um anfiteatro com uma galeria que prolonga de cada lado os primeiros camarotes. Este anfiteatro está coberto com um reposteiro franjado, apoiado em pilares como uma tenda; neste se situa o lugar do Rei que se senta num cadeirão, ao meio, tendo à sua direita o Infante D. Pedro, seu irmão e seu genro e à sua esquerda a Rainha, a Princesa do Brasil e as três outras princesas e ao longo da galeria, à esquerda, as damas de honor. O outro lado, à direita da galeira, fica vazio: há oito segundos e oito terceiros camarotes que são ocupados por portugueses aos quais se oferecem bilhetes. Os Ministros do Rei estão sentados na plateia com os fidalgos, sem distinção de categoria. A orquestra tem cerca de 25 a 30 intrumentos. O teatro é bastante grande, ocupando todo o comprimento da sala; o espectáculo começa logo que o Rei entra, vulgarmente cerca das seis e meia, sete horas. A ópera dura 4 horas; verificando-se o maior silêncio. O bailado do 1º acto do Demetrius representa a sala de um mecânico ou maquinista que mostra a um curioso ou estrangeiro um autómato, em que premindo uma mola faz executar diferentes danças e bailados. Primeiro assiste-se a uma entrada de Pierrots em seguida a uma de Espanhois, de Arlequins e Columbinas, de mosqueteiros, etc, em que os passos são executados pelos dançarinos como se fossem comandados por molas. Vêm comunicar ao Maquinista que alguém o chama; este sai e o curioso aproveita a sua ausência para examinar os autómatos e observa a máquina, pressiona a mola e os autómatos recomeçar a dançar; como pretende mudar rapidamente a dança anima-se, embaraça-se e por fim escangalha-se a mola; a máquina desafina-se e os autómatos caem de cabeça para baixo, pés para cima, cada um com uma atitude diferente do que resulta um espectáculo divertido; com o barulho o Maquinista chega espantado ao ver as máquinas viradas; tenta recuperá-las e percebe que os fios ou molas estão partidos. Precipita-se sobre elas desesperado e corre trás do curioso; este foge, atrevessando todos os acessos em que tinham descido os autónomatos.
Este bailado é muito bem desenhado e de agradável invenção. O bailado do 2º acto é Pantomina. Vê-se ao longe uma ilha sobre o mar e um Príncipe que nela naufraga; esta ilha é ocupada por uma feiticeira que quando se apaixona transforma os seus companheiros em estátuas. Ela apressa-se a fazer amizade com o Príncipe mas este está ocupado em procurar os seus companheiros; logo que os descobre fica furioso. A feiticeira toca-lhe com a sua varinha, adormecendo-o, e ele cai sobre uma cama de relva; algumas ninfas vêm com flores e saem de repente.
Ele acorda e parece envergonhado por se encontrar prisioneiro; a feiticeira finge em ter pressa de o libertar. Ele aparenta querer agradecer-lhe beijando-lhe a mão, mas este era o pretexto para lhe apanhar a varinha. Com a varinha, toca a feiticeira que é arrastada por um carro puxado por dragões. Ele reanima os seus companheiros e imediatamente embarca para fugirem desta ilha.

No dia seguinte o Rei voltou da caça às 5 horas. Depois do jantar foi à Ópera ouvir um pequeno «intermezzo» italiano, intitulado «La Cacina». In alinegallaschhall.wordpress

Necessitavam os monarcas portugueses para apoio è sua itinerância regional, de amplos Paços onde a família e comotiva se instalavam transportando não só o guarda-roupa mas mobiliário, loiças e pratas, tapetes e armações, para conforto do local. No Ribatejo um dos Paços utilizados era o de Salvaterra de Magos.A reunião dos elementos que agora se publicam sobre o Paço de Salvaterra, Teatro de Ópera e a Falcoaria foi objecto de longos anos de pesquisa, contribuindo especialmente aqueles dois últimos, para a história do que nesses sectores, de maior qualidade havia na Europa de Setecentos.
 
Rosário Gordalina/Mónica Figueiredo/Aline Gallasch-Hall/JDACT

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