O I Congresso Nacional da Cultura Avieira realizou-se em Santarém e Salvaterra de Magos entre os dias 7 e 9 de Maio. A iniciativa foi organizada pelo Instituto Politécnico de Santarém, em parceria com a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, no âmbito do projecto de candidatura da Cultura Avieira a Património Nacional. Sob o tema «Cultura Avieira - Um Património, uma Identidade», os trabalhos decorreram, nos dias 7 e 8 no salão da Casa do Campino, em Santarém, e no dia 9 em Salvaterra de Magos.
Com a devida vénia ao semanário regional O Mirante, publico algumas notas do artigo sobre a Cultura Avieira.
Cortesia de otejo
A cultura avieira pretende ser elevada a Património Nacional, suportando-se a candidatura num projecto de recuperação de várias aldeias avieiras que prevê a criação de mais de 450 postos de trabalho. O coordenador do projecto de candidatura a património nacional, João Serrano, explicou que o objectivo é «criar um novo destino turístico para o país», num conjunto de programas que estimam criar 127 postos de trabalho directos e de 350 a 360 indirectos.
«Este destino turístico já está aprovado pelo PROVERE, Programas de Valorização Económica de Recursos Endógenos. É um projecto de investimento que envolve 41 instituições e 59 projectos de investimento e prevê ligar pelo Tejo desde a Marina do Parque das Nações até Constância, sendo que o rio Tejo só é navegável até Valada», adiantou João Serrano.
O coordenador do projecto - avaliado em cerca de 30 milhões de euros - explicou ainda que a candidatura prevê «um turismo fluvial que parte do Parque das Nações até Valada por barco» e, a partir daí, vai ser desenvolvido um «percurso por um barco muito leve para fundos baixos ou por autocarros para levar os turistas até Constância».
Os avieiros, «os mais pobres dos pobres», nas palavras de Alfredo Marques, director do Centro de Estudos do Mar (CEMAR), uma associação científica do Centro Litoral que estuda a cultura avieira, foram o último grande movimento migratório português.
Cortesia de musealogando
Donos do «mais belo barco do mundo, em forma de meia lua», numa referência à arte xávega, «os mais pobres dos pobres, a cada Inverno e com a fome, começaram uma migração sazonal para o Tejo», explicou o investigador, acrescentando que estes pescadores são oriundos da Vieira de Leiria e «da mãe de todos os pescadores que é a Ria de Aveiro». No início do século XX e até aos anos 60, famílias inteiras de pescadores subiram as margens do rio Tejo, na tentativa de encontrar melhores condições de pesca e mais oportunidades, mas mantendo sempre a sua identidade. O projecto de elevar a cultura avieira a património nacional nasceu há cerca de quatro anos, tendo sido aprovado em Julho de 2009, numa iniciativa do Instituto Politécnico de Santarém (IPS), através do Gabinete da Cultura Avieira.
Segundo o mesmo semanário regional O Mirante, os pescadores avieiros inventaram uma forma única de falar para interpretar o rio Tejo. Cada família tinha também «o seu dialecto próprio» para ocultar os segredos para trazer mais peixes nas redes. Ainda hoje, há mistérios que os pescadores não gostam de revelar mas Luís Cosme, avieiro de 50 anos, divulgou um deles: «Se o pescador dizia nincalé era sinal de que, naquele dia, o Tejo não deu peixes».
O avieiro explica que «quase que se criava um dialecto natural entre o homem e a mulher que depois ia prevalecendo ao longo da vida da pesca» dentro da família para «não dar a perceber ao colega do lado que estava noutro barco a pescar a forma como ele apanhava mais peixe do que o outro».
Cortesia do Mário Rui (fazerporsalvaterra)
Nas Caneiras, uma aldeia avieira em Santarém, ainda há quem viva só do rio. Das 80 casas de família, cerca de dez fazem da pesca de arrasto a sua actividade principal mas a grande maioria pesca pelo prazer de lançar as redes. Júlia Guerra, avieira de 83 anos nascida e criada nas Caneiras, recorda que o rio dava sustento. Agora já não: «O que valia aos pescadores era esta época do sável, da saboga e da lampreia. Agora também dá mas antigamente governávamo-nos só do Tejo e agora, coitados, tiveram de se agarrar a outras coisas», conta.
Oriundos da Vieira de Leiria e das praias da Gândara, na Bairrada, os pescadores avieiros viram-se obrigados a subir o Tejo para dar sustento à família. Com o tempo e à medida que se iam integrando nas comunidades locais, os avieiros deixaram de viver nos barcos para construir casas em estacas de madeira nas margens. Estas casas típicas dos avieiros - «a única cultura palafita da Europa» - eram construídas em madeira e palafita, um material que impede as construções de serem arrastadas pelas correntes do rio. As modestas habitações têm todas o mesmo tipo de construção e a mesma organização interior: o primeiro andar tem a sala à entrada e dois quartos ao lado. A cozinha fica em baixo ou em frente, do outro lado da rua. Na comunidade fechada mas unida, os avieiros tinham a tradição de casar dentro da mesma família. Os pais de Luís Cosme são primos direitos, uma situação muito comum na época e que contribuía para manter e perpetuar os segredos do rio.
Cortesia de O Mirante/JDACT