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«Nasceu Alexandre de Gusmão em Santos (Brasil), nos últimos anos do século XVII. O pai, Francisco Lourenço, era de condição modesta. Por isso mesmo, o futuro escritor deixa, ainda criança, a sua cidade natal, acolhendo-se na Baía junto do tio e padrinho, Pe. Alexandre de Gusmão, jesuíta dado às letras e autor duma História do Predestinado Peregrino e Seu Irmão Precito (1682), laboriosa alegoria dos caminhos do Bem e do Mal, que teve a sua hora de sucesso, pois foi reeditada em Lisboa em 1728. O jovem passará a usar o nome do parente, sem renegar, todavia, as suas origens. Já quase cinquentão e no auge da carreira, recordava aos dois filhos: «Subi, mas tive humilde nascimento», incitando-os a seguir lhe o exemplo e a preferir o mérito próprio à vã soberba de condição. É de crer que fosse o padrinho jesuíta que o mandou educar e o enviou para Portugal, a fim de completar os seus estudos. Seja como for, a 5 de Dezembro de 1713, encontra-se matriculado em Cânones na Universidade de Coimbra.
A primeira função oficial que desempenha é a de secretário do Conde da Ribeira Grande, embaixador de Portugal em Paris. Correlativamente, a sua primeira produção impressa consiste num memorial da entrada solene do diplomata na Corte do Rei-Sol, a 18 de Agosto de 1715.
Nesse folheto em português, publicado por um livreiro do Quai des Augustins, descreve, minuciosamente, como era da praxe em ocasiões semelhantes, o fausto e o brilho da cerimónia: o vestuário luxuoso do enviado e da sua comitiva; os cinco coches, de oito cavalos cada, decorados a preceito; as moedas de prata atiradas ao povinho que viera ver passar o cortejo; as generosas gorjetas dadas aos cocheiros e demais pessoal, toda a perdulária ostentação de riqueza e de liberalidade destinada a firmar os créditos do embaixador e do seu soberano aos olhos da Corte francesa. Verdade se diga que o texto traduz apenas o deslumbramento ingénuo do jovem secretário, e não apresenta o menor indício da visão critica que o caracterizará na idade madura.
Alexandre de Gusmão aproveita a estada na capital da França para frequentar a Sorbonne, onde obtém o grau de bacharel em Direito. Mediante mercê concedida por João V, é incorporado na Faculdade de Leis de Coimbra, e aí recebe, a 22 de Julho de 1719, o mesmo grau, das mãos do Doutor Manuel da Gama Lobo. O seu irmão, Bartolomeu Lourenço de Gusmão, o conhecido inventor da «passarola voadora», formar-se-á no ano seguinte na mesma Faculdade.
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Em 1722, encontra-se Alexandre de Gusmão em Roma, como agente da Coroa. As suas estadas no estrangeiro no cumprimento de missões diplomáticas não pouco contribuíram para lhe dar, além do conhecimento das línguas respectivas, uma abertura de espírito, uma cultura e uma prática da política, que serão timbre de todas as suas actuações ou reflexões ulteriores.
Em Janeiro de 1730, João V nomeia-o seu secretário, função que desempenhará durante mais de vinte anos, numa situação privilegiada para conhecer os meandros do poder, e os da alma humana.
Passado pouco tempo, é eleito pela Academia Real de História, com a incumbência de se ocupar da História ultramarina. Não levará a tarefa a bom fim, por razões diversas, entre as quais avulta a dificuldade em obter fontes fidedignas, por serem escassas as impressas, e guardadas tantas vezes com «avareza» as manuscritas. A instituição contava, à data em que Gusmão foi por ela distinguido, nomes como os de Francisco Xavier de Meneses, Francisco Leitão Ferreira, […] e Bluteau, além de numerosos fidalgos e dignitários. A presença de Gusmão numa agremiação a que o monarca dispensava protecção, e por vezes mesmo assistência, mostra bem o apreço em que eram tidos o talento, a experiência do mundo e a agilidade intelectual do neófito, e isto, não obstante a escassez das suas produções literárias. Ele é o primeiro a reconhecê-lo:
- apesar da «suma veneração» que dedica às letras, não deu ainda provas suficientes para merecer a honrosa escolha. «Consigo a coroa antes de me haver legitimamente sinalado no certame» assim conclui o novo académico o seu discurso de agradecimento, numa formulação que tem a marca do seu característico poder de síntese.
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Igual modéstia ressalta duma carta escrita a Diogo Barbosa Machado, em que recusa a honra de figurar na BIBLIOTECA LUSITANA. Julga dever apenas à benevolência alheia a sua reputação de escritor, «pois até ao presente, não tenho mostrado composição por onde pudesse adquiri-la; e, fazendo contas com o meu talento, tenho por mais provável que a perderia de todo, se saísse à luz com algum volume»... Tal como no plano do nascimento, no da glória literária Alexandre de Gusmão não pode ser taxado de prosápia. À falta duma obra articulada e criadora, não deixa, no entanto, de ser um escritor, com amplo cabedal de conhecimentos e de reflexão crítica, e indubitável vocação expressiva, à semelhança de outras figuras de destaque que o mundo da diplomacia ou da política deu à literatura do século XVIII, marginalmente embora. Pense-se em Luís da Cunha, em José da Cunha Brochado, em Duarte Macedo e no Cavaleiro de Oliveira.
Compreende-se que as funções oficiais de Gusmão, bem como os múltiplos projectos e pareceres que teve de redigir em matérias da sua competência, lhe não deixassem disponibilidades para sazonar e arredondar uma produção literária que comporta poesia, tradução, ensaios e reflexões morais.
Em matéria de poesia, consta que teria escrito muito mais do que as escassas amostras que dele conhecemos, e se reduzem a um epigrama latino (aliás, nada epigramático!) em louvor do Conde de Vimioso e por este publicado nas EPIGRAMMATA (Lisboa, 1732), uma égloga amorosa e dois sonetos. A avaliar pela doutrina pouco ortodoxa do primeiro, «A Júpiter, supremo Deus do Olimpo», não custa a crer que produções de estro análogo não lograssem a publicação e se perdessem. O segundo, posterior a 1747, é um paternal aviso «A seus dois filhos, persuadindo-lhes o conhecimento próprio», ou, melhor dito, a ascensão social por mérito próprio. Não faltariam, já então, ao secretário régio impiedosos inimigos, pois a composição motivou uma resposta pelos consoantes, na qual se ridiculizava Gusmão pelos nomes pomposos que dera à sua progenitura. Observava jocosamente o adversário:
- «Não exalta o teu baixo nascimento / Ser pai de Viriato ou de Trajano...».
Outra manifestação do seu interesse pela poesia consiste na preparação dum RIMÁRIO DA LINGUA PORTUGUESA, cujo original autógrafo se conserva na Biblioteca Pública de Évora. Prático como sempre, Alexandre de Gusmão tentava pôr ao alcance de versejadores menos inspirados esse instrumento de substituição incontestavelmente útil». In Cartas de Alexandre de Gusmão, introdução e actualização de texto de André Rocha, Biblioteca de Autores Portugueses, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1981.
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