«Europa,
ano de 1807. No antigo continente abatera-se um terrível furacão que estava a arrasar
tudo à sua passagem: Napoleão Bonaparte. Este homem estava decidido a tornar-se
Imperador do Mundo e para isso precisava de calcar, aos seus pés, todos os reinos
que lhe fizessem frente. Todos iam caindo diante dele, um a um, humilhados, esmagados
sob as suas botas implacáveis e as do seu magnífico e feroz exército que não hesitava
em cometer as maiores atrocidades para conseguir espezinhar os ideais e a independência
desses reinos que eram obrigados a renderem-se perante tão grande ameaça, para evitar
mais derramamento de sangue. França era a maior potência da época, só rivalizada
por Inglaterra, que se revelava mais forte no mar. Bonaparte envolvera-se numa guerra
feroz contra Inglaterra (bloqueio continental, 1806), decidido a destruí-la a todo
o custo. Forçava os outros reinos a declararem-lhe guerra e a aliar-se a ele. Os
que recusavam cumprir as suas ordens eram considerados inimigos, sujeitando-se às
mais ferozes retaliações e invasões sangrentas. A França mantinha cerca de 620
000 homens de armas, número espantoso e bastante assustador para todas as nações
da época. Como tal, o velho continente estava praticamente aos seus pés... Obedecia-lhe
temerosamente, receando a sua vingança e os seus exércitos impiedosos. Faltava-lhe
apenas subjugar, na Península Ibérica, a ponta mais ocidental da Europa, Portugal...
França,
Outubro de 1807. No Palácio de Bayonne, num enorme salão luxuosamente decorado,
perto da janela, encontrava-se um homem de 38 anos, de estatura baixa, cabelos e
olhos escuros. Napoleão Bonaparte. Estava com uma expressão pensativa, mas ao mesmo
tempo satisfeita. O seu grandioso sonho de uma única nação na Europa, os Europeus,
unida sob um mesmo ceptro, o seu, com o mesmo código de leis, o mesmo sistema judiciário,
estava prestes a concretizar-se. Por instantes o seu rosto ensombrou-se, irritado.
Para que o seu projecto de bloqueio resultasse na perfeição, necessitava despojar
Inglaterra de qualquer contacto com o seu único e ultimo aliado na Europa: Portugal,
pequeno país à beira-mar, detentor do maior porto marítimo europeu. Era imperioso
esmagar aquela ocidental praia lusitana, como Luís de Camões lhe chamara.
Depois de tantos anos aliado de Inglaterra
este reino negara-se a obedecer às ordens imperiosas de França para declarar guerra
ao seu mais velho aliado. Recusara-se a fechar os portos aos navios britânicos,
a prender todos os cidadãos ingleses residentes no seu reino e a confiscar os
seus bens. Por isso, Napoleão dedicava um intenso ressentimento e ódio a Portugal,
não só pela sua lealdade a Inglaterra, mas por possuir excelentes portos dos quais
a esquadra inglesa usufruía abertamente e, sobretudo, porque uma esquadra portuguesa
ajudara uma inglesa a derrotar a marinha francesa no Mediterrâneo. O imperador observara
a chegada de um grupo de militares em vários coches, encaminhando-se depois, muito
solene, para a escadaria que se dirigia para o interior do palácio. Très bien! Não
demoraram.
Napoleão Bonaparte desviou o olhar
da rua e afastou-se da janela em passadas lentas, mas firmes, aproximando-se de
uma enorme secretária. Pouco depois ouvia-se bater à porta dupla e um soldado vestido
com farda de gala entrou. Vossa Majestade, os generais chegaram! Napoleão fez um
sinal imperioso com a mão, numa ordem inequívoca de os fazer entrar. Segundos depois,
o grupo de militares, muito circunspecto, entrou. Fizeram-lhe uma vénia respeitosa,
parecendo animados. Junot, as tropas estão prontas? Um homem de 36 anos, um pouco
mais alto do que ele, cabelos e olhos escuros, de figura elegante e expressão arrogante,
fez um aceno afirmativo com a cabeça, nada surpreendido com a pergunta
repentina. Tal como Vossa Majestade ordenou no dia 8 de Outubro. As tropas estão
a postos para partir.
Os
acordos secretos entre Espanha e França já vinham desde Julho, e em Agosto, em Bayonne,
na fronteira franco-espanhola, já se concentravam as tropas para a invasão de Portugal,
formando-se um poderoso e temível exército com o nome de Corpo de Observação da
Gironda, e isto apesar de os representantes diplomáticos de França e Espanha terem
entregado a João, príncipe regente de Portugal, o seu derradeiro ultimato. Portugal,
sob risco de se tornar seu inimigo, teria de se aliar a eles e cumprir o que
estava estipulado no Bloqueio Continental. O ultimato deveria ser executado até
ao dia 1 de Setembro, senão dar-se-ia a invasão pelas tropas franco-espanholas
no território português». In Isabel Ricardo, A Revolução da Mulher das
Pevides, 2015, Edições Saída de Emergência, 2015, ISBN 978-989-637-855-4.
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