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Guillaume Chartier decide-se a seguir o seu anfitrião através do dédalo das máquinas
das resmas e de papel, ouvindo distraidamente as suas explicações. Os artesãos imobilizam-se
muito hirtos, apertando com força os gorros nas mãos. Uma vez terminada a inspecção
da oficina, o bispo abençoa as instalações com um sinal da cruz apressado, enquanto
um dos clérigos que o acompanham agita vigorosamente um grande turíbulo de cobre.
Radiante de orgulho, Schoeffer entrega a Chartier a primeira publicação entre todas,
impressa em Paris, no ano da graça de 1463, com privilégio real. Declara pomposamente
que essa obra é a pedra angular de um edifício que iluminará o mundo à semelhança
do Farol de Alexandria, difundindo a glória de França entre as nações. Chartier,
com escassa emoção, poisa negligentemente o volume numa banca muito suja de
grude.
Villon experimenta certa amargura
ao ver o bispo despachar a cerimónia com tanta desenvoltura. Um acontecimento
desta importância teria merecido um esforço de protocolo muito particular. Vexado,
afasta-se refugiando-se no fundo da sala, junto às prensas em repouso. Estas são
ao todo uma dúzia, alinhadas em duas fileiras paralelas que François percorre lentamente,
como se passasse revista às tropas. Maciças, feitas de uma madeira pesada e robusta,
eriçadas de manípulos muito besuntados de matéria gorda, emana delas uma força
inquietante. Estão solidamente fixadas num estrado de modo a evitar que
deslizem durante a impressão. A elevação que o estrado lhes concede fá-las parecer
tão imponentes como estátuas de césares. Com efeito, Villon pressente a influência
que poderiam ter sobre o destino dos homens. Mas são, ao mesmo tempo, de certo modo
como ele próprio: dóceis na aparência, dando a impressão de serem facilmente manejáveis.
Ora, tal como Francois, não podem limitar-se a servir um Fust ou um Chartier, a
ser apenas instrumento das suas ambições, políticas ou pecuniárias, dos seus deploráveis
propósitos. Há nelas demasiada força para que eles possam retê-la só para eles,
sequestrá-la numa prisão ou numa loja. Villon vê de súbito naquelas prensas um aliado
possível. Para ele, para a poesia. Lembram-lhe os cavalos que roubou, abrindo a
cancela da sua cerca em plena noite, dominando o seu ímpeto fogoso,
disciplinando os seus músculos frementes, conduzindo-os para florestas sombrias,
cada vez mais depressa, cada vez para mais longe. Estas máquinas serão capazes,
também elas, de escoicear e de se encabritar?
Fust faz aos seus empregados
sinal, mandando-os retomar o trabalho e convida o eminente visitante a entrar
no seu escritório. Schoeffer e Villon seguem-nos, tendo o cuidado de fechar a porta
atrás deles. O velho livreiro anuncia a Chartier que arrendou todas as lojas vagas
da rua Saint-Jacques. Vários impressores alemães estão, com efeito, prestes a juntar-se-lhe,
exceptuado Gutenberg, seu ex-sócio, que persiste na sua recusa em abrir uma sucursal
em Paris, devido a uma velha querela entre ambos. O pobre homem está endividado
até ao pescoço. Vive graças a uma magra renda que lhe atribuiu o bispo de
Nassau, quando teria podido beneficiar, também ele, do generoso patrocínio de
Luís XI ou de Carlos de Orleães, muito mais perspicazes em matéria de letras do
que os vigários do clero palatino». In Raphael Jerusalmy, Os Caçadores de
Livros, 2013, Clube do Autor, 2015, ISBN 978-989-724-237-3.
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