«Ao dar mais passos do que os que dera repetidamente durante sua espera vi que andava com dificuldade e lentidão, como se não estivesse acostumada com os saltos, ou suas pernas robustas não fossem feitas para eles, ou a bolsa a desequilibrasse ou estivesse enjoada. Caminhava um pouco como Luísa tinha caminhado depois de sentir-se mal, ao entrar no quarto para deixar-se cair na cama, onde eu lhe tirara parte da roupa e a introduzira nos lençóis (eu a cobrira apesar do calor). Mas naquele andar desajeitado também se adivinhava a graça, perdida naquele momento: quando estivesse descalça a mulher mulata caminharia com graça, a saia ondularia, quebrando-se ritmicamente contra as coxas. Meu quarto estava às escuras, ninguém acendera a luz ao cair a noite, Luísa dormia indisposta, eu não me mexera daquela sacada, olhava os havaneses e depois aquela mulher que continuava se aproximando com passo trôpego e continuava gritando para mim o que agora já ouvia: Ei! Você o que faz aí?
Tive um sobressalto ao entender o
que estava dizendo, não tanto porque o dissesse para mim quanto pelo modo de
fazê-lo, cheio de confiança, furioso, como de quem se dispõe a acertar as
contas com a pessoa mais próxima ou a quem está amando, que a irrita
continuamente. Não era que se tivesse sentido observada por um desconhecido de
uma sacada de um hotel para estrangeiros e viesse reclamar de minha contemplação
impune de sua figura e de sua humilhante espera, mas sim que reconhecera de
repente em mim, ao levantar a vista, a pessoa que estava esperando sabe lá
havia quanto tempo, sem dúvida desde muito antes de eu a notar.
Ainda estava à distância,
atravessara a rua evitando os poucos carros sem procurar um semáforo e se
achava no começo da esplanada, onde parara, talvez para descansar os pés e as
pernas tão salientes ou para alisar outra vez a saia, agora com maior afinco, já
que por fim se encontrava diante de quem devia julgar ou apreciar sua queda, a
da saia. Continuava fitando-me e desviando um pouco a vista, como se tivesse
algum problema de estrabismo, seus olhos escapavam momentaneamente para minha esquerda.
Talvez tivesse parado e ficado
longe para mostrar sua irritação e que não estava disposta a deixar o encontro
se consumar assim sem mais nem menos uma vez que me avistara, como se ela não tivesse
sofrido ou não tivesse sido destratada até dois minutos antes. Então disse
outras frases, todas elas acompanhadas do gesto inicial do braço e dos dedos móveis,
o gesto de segurar, como se com ele dissesse Venha cá ou Você é meu.
Mas com a voz dizia, uma voz vibrante, importada e desagradável, como de apresentador
de tevê, político num discurso ou professor dando aula (mas parecia iletrada):
Você o que faz aí? Não me viu que
o estava esperando faz uma hora? Por que não me disse que você já tinha subido?
Creio que dizia assim, com essa leve alteração na ordem das palavras e abuso
dos pronomes em comparação com o que eu teria dito, ou qualquer pessoa de meu
país, suponho». In Javier Marías, Coração Tão Branco, 1992, Relógio D’Água, 1994, ISBN
972-708-247-5.
Cortesia de RelógioD’Água/JDACT
JDACT, Javier Marías, Literatura, Espanha, Narrativa,