(…)
Sua contribuição académica,
exercício do magistério e redes de sociabilidade são assinaladas por Sinésio,
em parte de suas Epístolas,
o qual havia sido seu discípulo e com quem trocava correspondências desde a
juventude; além disso, identificamos autores cristãos contemporâneos a Hipátia,
a saber: o cristão niceno, Sócrates Escolástico (ca. 379-450), em sua História Eclesiástica (VII,
15) e o cristão ariano, Filostórgio de Capadócia (nascido ca. 368), em
obra homónima, cujo relato sobreviveu num epítome do século IX, provavelmente com
o envolvimento de Fócio.
Após a morte de Hipátia, outros
literatos tardo-antigos construíram memórias acerca da filósofa alexandrina,
entre os quais: o cronista bizantino de Antioquia, João Malalas (491-578), na
sua Chronographia; o
historiador grego de Constantinopla, sob o reinado de Justiniano I, Hesíquio de
Mileto (séc. VI), cujos fragmentos de sua obra intitulada Sobre a Paideia de Sábios Ilustres,
sobreviveram em comentários no Suda;
o neoplatónico ateniense, Damáscio (ca. 458 – após 538), em Vida de Isidoro, da qual
também nos restam fragmentos preservados no Suda. E, por fim, o bispo egípcio monofisista João de Nikiú,
em Crônica (séc.
VII). Ainda que apresentem versões diferentes sobre a vida e morte da filósofa,
tais fontes sublinham o impacto de Hipátia à sociedade alexandrina
tardo-antiga.
O Serapeum, templo dedicado ao deus Serápis, ocupa uma posição
chave, em Ágora, já que
se torna palco dos principais conflitos entre cristãos e pagãos bem como do
assassinato de Hipátia, dois episódios centrais para dinamização do enredo e
envolvimento do público/espectador. Amenábar nos informa, por meio de breve
legenda, que os episódios narrados datam de 391 d.C, momento em que o Serapeu teria
sido invadido, destruído e saqueado pelos cristãos, o que denota diálogo do
filme com as fontes, ao menos, no tocante à provável datação da dessacralização
deste templo.
A invasão dos cristãos ao Serapeu
marca, a nosso ver, o ápice do filme e pode ser concebido como um divisor de águas,
já que, sob a óptica de Amenábar, intensifica a influência política das
comunidades cristãs em Alexandria, sobretudo a partir da ordenação ao
episcopado de Alexandria do bispo Cirilo (412).
Para imprimir um tom mais
dinâmico à narrativa fílmica, Amenábar procede a uma costura da ordem
dos acontecimentos, em clara subversão de suas especificidades espaço-temporal,
fazendo uso de uma espécie de licença artística, uma vez que, ele nos faz crer
que a invasão/ocupação do Serapeu pelos cristãos, a morte de Teófilo, a ascensão
de Cirilo e o assassinato de Hipátia ocorrem em alguns anos (e
não em décadas), percepção que se confirma quando percebemos que não houve a
passagem do tempo para os personagens entre a invasão do Serapeu e a morte de Hipátia.
Em Ágora, Hipátia morre jovem,
como se estivesse entre 25 e 30 anos, como narra o romancista Kingsley.
A
historiografia, ao contrário, informa-nos que, entre a invasão/ocupação do
Serapeu (391) pelos cristãos, a morte de Teófilo (412), a ascensão de Cirilo
(412), a morte de Sinésio (ca. 413) e a expulsão dos judeus de
Alexandria bem como o assassinato de Hipátia (415), decorre, ao menos,
duas décadas. Percebamos que Sinésio já estava morto, no momento em que Hipátia
foi assassinada, na contramão do que propõe Amenábar». In José P. Farias Júnior, Hipátia
de Alexandria, História e Cinema, RFB Editora, 2022, ISBN 978-655-889-249-6.
Cortesi de RFBEditora/JDACT
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