sábado, 6 de janeiro de 2024

O Mundo Sem Nós. Alan Weisman. « Ao tornarmo-nos numa verdadeira força da natureza, já o fizemos. Entre os artefactos de fabrico humano que durarão mais tempo depois de desaparecermos está a nossa atmosfera refeita»

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O Mundo imediatamente antes de Nós

Um interlúdio Interglacial

«I)urante mais de um milhão de anos, placas de gelo avançaram e recuaram a partir dos pólos, encontrando-se por vezes no equador. As causas têm a ver com a deriva continental, com a órbita levemente excêntrica da Terra, o seu eixo vacilante, e as alterações no dióxido de carbono da atmosfera. Durante os últimos milhões de anos, estando os continentes basicamente onde os vemos hoje, as eras glaciais sucederam-se de forma bastante regular e duraram mais de cem mil anos, com períodos de degelo durando em média doze mil a vinte e oito mil anos.

O último glaciar deixou Nova Iorque há onze mil anos. Em condições normais, o próximo glaciar a cobrir Manhattan poderá chegar a todo o momento, apesar de ser cada vez menos provável que chegue à tabela. Muitos cientistas pensam hoje que o actual intervalo antes do próximo acto glacial vai durar muito mais tempo, porque conseguimos adiar o inevitável enchendo o nosso cobertor atmosférico com insolação extra. As comparações com bolhas antigas no núc1eo de gelo da Antártida revelam que há mais CO2 no ar, hoje, do que em qualquer altura dos últimos 650 mi1 anos. Se as pessoas deixarem de existir amanhã e nunca mais mandarmos para o ar uma molécula de carbono, aquilo que pusemos em movimento terá ainda de se extinguir.

Isso não acontecerá rapidamente, pelos nossos padrões, apesar de os nossos padrões estarem a mudar porque nós, Homo sapíens, não nos preocupámos em esperar que a fossilização entrasse no tempo geológico. Ao tornarmo-nos numa verdadeira força da natureza, já o fizemos. Entre os artefactos de fabrico humano que durarão mais tempo depois de desaparecermos está a nossa atmosfera refeita. Assim, Tyler Volk não vê nada de extraordinário em ser um arquitecto que ensina Física Atmosférica e Química Marítima na Faculdade de Biologia da Universidade de Nova Iorque. Acha que tem de recorrer a todas estas disciplinas para descrever como é que os seres humanos transformaram a atmosfera, a biosfera e o subsolo em algo que, até agora, só os vulcões e as placas continentais que colidem entre si tinham conseguido.

Volk é um homem magro com cabelo negro ondeado, e olhos que se transformam em meias-luas quando reflecte. Inclinando-se para trás na sua cadeira, estuda um cartaz que quase ocupa todo o placard do seu escritório. Retrata os oceanos e a atmosfera como um só fluido, com camadas de densidade cada vez maiores. Até há cerca de duzentos anos, o dióxido de carbono da parte gasosa superior dissolvia-se na parte líquida de baixo a um ritmo constante, que mantinha o mundo em equilíbrio. Hoje, com os níveis atmosféricos de CO2 altíssimos, os oceanos precisam de se reajustar. Mas, por serem tão grandes, diz ele, isso leva tempo.

Digamos que deixa de haver quem queime combustíveis. A princípio, a superfície do oceano absorverá rapidamente o CO2. À medida que se satura, o processo abranda. Perde algum CO2 para organismos fotossintetizantes. Lentamente, à medida que os oceanos se misturam, ele afunda-se, e a água mais antiga, não saturada, vem das profundezas para o substituir». In Alan Weisman, O Mundo Sem Nós, Estrela Polar, Oficina do Livro, 2007, 2008, ISBN 978-972-892-977-0.

 Cortesia de EstrelaPolar/OficinadoLivro/JDACT

 JDACT, Alan Weisman, Ciência, Ambiente, Conhecimento