(1884-1949)
Lisboa
Cortesia de tertuliabibliofila
Albino Maria Pereira Forjaz de Sampaio foi um escritor português, autor de um dos livros mais vendidos em Portugal durante o século XX, «Palavras Cínicas» lançado em 1905, que à morte do autor tinha já tido 46 edições.
Albino Forjaz de Sampaio começou a sua carreira literária aos 16 anos como jornalista no jornal A Lucta sob o patronato de Fialho de Almeida e Brito Camacho. O seu percurso teve duas fases distintas, um pouco como a sua escrita. Se de início a sua escrita aprendeu muito do jornalismo, o falar da rua, do submundo lisboeta, a resposta rápida, numa segunda fase procurou legitimar essas características com formas arcaicas e coloquialismos de origem erudita que foi encontrar nas suas investigações sobre o antigo teatro popular.
Cortesia de livrariaultramarina
A crónica de crítica social que procurava inverter a moral comum da época tornou-o famoso sobretudo pelo escândalo que as suas opiniões originavam. Fazia-o um pouco à maneira de Oscar Wilde mas num país ainda menos preparado para tais agitações. Daí que a sua estreia tenha sido estrondosa (embora as crónicas jornalísticas que já publicara o anunciassem), com o livro Palavras Cínicas que, no começo do século (1905), deixava os portugueses tudo menos indiferentes.
A partir deste sucesso, Albino Sampaio levou a sua crítica social ao ponto de criar uma arte da crítica ou, a crítica pela crítica. Com humor, cinismo e uma ausência completa de consciência social a obra de Forjaz de Sampaio «fez-se» como a de muitos escritores que «ninguém lê» mas que esgotam edições atrás de edições.
A escrita de Albino Sampaio é um mundo a descobrir. O escritor desenvolveu uma linguagem muito sua inventando inúmeros vocábulos e passando para o papel uma série de coloquialismos originais e que muito ajudavam construção do humor que os seus escritos patenteavam. Como muitos dos escritores seus contemporâneos, Forjaz de Sampaio era um artista da frase, da máxima (em 1922 dava ao prelo Mais Além do Amor e da Morte, um livro de máximas e pensamentos). Toda a sua escrita era constituída por um conjunto de artifícios que visavam o culminar numa máxima / frase central que muitas vezes era igualmente o contrário do argumento que tinha vindo a elaborar.
Cortesia de livrossumeria
Escrevo-te de longe, de muito longe, perdido nos confins deste meu bairro onde só muito fraco chega o rumor da grande cidade. De que hei-de falar? Da Vida? Pois seja. Tu vens para ela, para o imenso brouhaha. A vida é a escola do cinismo. Trazes coração? Esmaga-o ao entrar como uma coisa que nos compromete, que nos avilta. Se acaso és bom, tolice. Não venhas. Aqui para triunfar, é preciso ser mau, muito mau. Sê mau, cínico, hipócrita, e persistente que vencerás. Serás aclamado, respeitado e invejado. Ri do Bem e da Virtude, da Alma e do Sentir. Ri de tudo, que é preciso que rias. Abafa um protesto com um sorriso, uma agonia com uma gargalhada, um estertor com uma praga.
Sê polido, meu amigo. Encobre a raiva sob o riso, e o riso sob o pesar.
Sê mau, sobretudo. Se a alma compromete estrangula-a, se o riso desmascara sufoca-o, se o choro atraiçoa esfibrina-o às gargalhadas. Não ames nem creias. Todo o homem que ama é homem perdido, e todo aquele que crê nunca será ninguém. Odeia sempre. Odeia os que sobem e os que pretendem subir, odeia os que subiram e os que um dia subirão. Odeia todos e desconfia. Lembra-te que o Ódio dá mais prazeres que o Amor. A satisfação de ver agonizar um canalha, quer ele seja um mártir, quer ele seja um ladrão, é maior que a de sentir os braços opulentos de uma mulher que se entrega. É menos um. Sê pois forte como o diamante e como o Ódio. No Amor — gentil comédia — sê pródigo, e sobretudo nunca ames uma só mulher. Se és bom serás ridículo, se és mau serás temido. Sê mau sempre. Este farrapo a que se chama Vida foi, é e há-de ser sempre assim. Tudo é egoísmo. Se és bom morrerás como Judas, se és mau, meu amigo, serás lembrado como Satã. Vem, mas vem cínico. Triunfarás, terás ouro, amantes, mulheres, o diabo. Acredita que metade da humanidade nasceu para se rojar pela lama, para que tu, eu, todos os maus, todos os cínicos, a esmagássemos e lhe cingíssemos fraternalmente as carnes com um chicote. Depois da morte há o Nada. Portanto, meu caro, aqueles que o sabem, o que pensam é em sugar a vida com um furor de agiotas sem entranhas. Isto é como no mar; já Shakespeare dizia que “o mugem vive para ser tragado pelo lúcio”. Ou serás vencido ou vencedor. Se vencido esperam-te todas as humilhações, desde o desprezo até a compaixão. Se vencedor todos os triunfos, desde o respeito ao Capitólio. Luta sempre calado, fino, sabido, que se não tens jeito para isto serás um eunuco eterno, castrado para a Vida, para o Amor e para o sonho. A raiva também tem o seu gozo, o Ódio também tem o seu amor. E o amor do Ódio é maior porque é mais forte. Não poderás gozar e serás mais desprezado do que uma serapilheira que o uso condenou. A carne é matéria como a rocha, a rocha é matéria como a flor. Da mulher honesta à prostituta não há diferença, a distância de uma à outra é nula. Não beijam ambas? Uma por prazer, outra por precisão. Pois, meu caro, eu prefiro a prostituta sempre. Acredita que todos se vendem, homens e mulheres, palhaços e imperadores, Cristos e mendigos: a questão é de preço e o preço sufoca todas as consciências, todas as revoltas. Acredita que falta quem compre toda a gente que se quer vender. A mulher mais honesta capitula, e aquilo a que tu chamas acaso, chamo eu persistência, e a persistência gasta a vida como a água gasta a rocha. Tu és filho de uma prostituta pois que tua mãe só foi de teu pai e teu pai foi o primeiro a quem ela se entregou, que depois o egoísmo do seu amor fez conservar junto de si... O seu corpo tinha gozos inusitados que ele demandou primeiro. E se teu pai não fosse dela, seria o primeiro que lhe agradasse, o primeiro que a sua carne lhe impusesse, o primeiro que passasse à sua rua. Assim, tu és filho de um operário como o poderias ser de um assassino. Podia mais a sua carne do que ela, mas o seu egoísmo foi maior do que a sua carne. “A vida é uma luta brutal” (Tourgueneff). Tu crês em Deus? Crês sim, que bem o sei. Pois bem; vai dizer-lhe que eu o odeio com toda a força do meu ódio. Tu que te dás com ele, que crês nele, que és amigo dele, vai dizer-lhe que ele é mais vil do que as coisas vis. Vai dizer-lhe que eu o odeio, porque ele deixou morrer aquela criatura aqui do lado, cujos seis filhos abandonados me vieram comer o meu jantar. Vai dizer-lhe o ódio que lhe tenho por ele deixar morrer aquele justo, que por ser bom teve de se matar; diz-lhe finalmente que nada disto se deve fazer quando se é Deus. Que me odeie agora também porque eu dei o jantar aos pequenos que não o tinham; que me odeie porque a última camisa a dei a um pobre que quase ma roubou; que me odeie porque eu o castigo como no outro dia castiguei um velho que maltratava um cão. Anda, vai dizer-lhe que me odeie, que se avilte ainda mais se é capaz... A geração é de covardes e “cada ano que passa está mais corrupto o mundo” (M. Gorki). Ah, não ter eu muito que dar a este pequeno miserável que me bate agora à porta, para que ele me chame o mais vil que o sol cobre, o mais canalha de todos, o mais indigno, o mais bandido! Ele não se engana. Lá tem o seu raciocínio que não falha nunca. Dei-lhe tudo o que tinha e todavia vai a resmungar baixinho que um dia, um dia que virá cedo, me virá bater à porta com uma coronha e me há-de fuzilar a mim, o maior dos patifes que o socorri. Vai-se embora a pensar que se fosse rico, havia de azorragar toda essa ralé que pede esmola e toda aquela que dá tudo o que tem. E cisma em ser um dia o maior dos Neros que o mundo tem visto; em ter um chicote com que possa de uma só vez azorragar a Terra, ele, cujo corpo deveria ser balançado no candeeiro ali defronte. De trinta mendigos a quem dei esmola hão-de nascer noventa patifes para me apedrejar. Abençoada esmola! Mas explica-se. É que a minha esmola — esmola humana — fecunda lá dentro todo o meu cinismo e toda a minha canalhice. Deste-me esmola? Muito bem, odeio-te. Odeio-te porque não posso também dar esmola e porque me curvei a ti. Toda a vida me fizeste bem, socorreste-me, agasalhaste-me. Um dia eu — mau como sou — estou por cima. Então eu havia de perder a ocasião de me vingar de tudo o que tu me fizeste? Chegou o meu dia. Agora, meu velho, eu sou maior, ouves? Eu dobrei-me e tu socorreste-me, mas eu dobrei-me. Eu era um faminto e tu sentaste-me à tua mesa, mas eu dobrei-me. Tive fome tu encheste-me, tive frio tu agasalhaste-me. Irritante Tu, sempre Tu. E eu não podia vingar-me, mas agora chegou minha vez.
Acredita que todos aqueles a quem fazemos bem nutrem lá dentro a secreta esperança de um dia nos correrem a pontapé. Logo no primeiro dia em que não temam desconjuntar a bota quando o fizerem, percebes? Escutaste? Vem, se te sentes com forças. Demais és pobre. Então para ti a vida é tudo isto e tudo o mais que tu tiveres coragem de inventar. “O pobre será odioso até ao seu parente mais chegado” (Provérbios, XIV, 20), que não "merece carinhos quem não tempera caldo" (Silva Pinto), ouves? Tu virás e triunfarás. Tu serás mau e cínico e traidor. A Vida? "Seria loucura, na verdade, conservarmos alguns sentimentos compassivos quando vivemos em semelhantes cavernas" (M. du Camp). A Vida é uma canalhice, uma farsa, “uma luta brutal”, como diz Tourgueneff. In Albino Forjaz de Sampaio, Palavras Cínicas, cortesia de Virgílio Brandão, Terra Longe.
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O seu ensejo de escandalizar levava a algumas inovações no mundo editorial de então, em 1916 Albino Forjaz de Sampaio reuniu-se com o pintor Bento de Mântua no sentido de elaborar a obra «O Livro das Cortesãs», tratava-se de uma antologia de poetas portugueses e brasileiros (da poesia trovadoresca até aos poetas contemporâneos) cujos poemas tivessem por tema as prostitutas e a prostituição.
A crítica mordaz, a frase curta e incisiva e o seu «linguajar ofensivo» fizeram de Albino Forjaz de Sampaio um dos escritores mais amados mas também um dos mais odiados da literatura portuguesa. As suas obras são extremamente actuais na crítica que fazem de uma sociedade que perde os seus valores e ideologias. Na maneira como vê o jornalismo sensacionalista e a sua influência sobre as massas. Na forma como via o curso que o panorama cultural português levava. Na forma como anunciava a morte da literatura pela morte da leitura... Quem hoje ler essas crónicas de Albino Forjaz de Sampaio poderá certamente considerá-lo «o Júlio Verne da sociedade portuguesa» pela forma como as suas predições vieram a realizar-se.
Através do seu conhecimento do submundo lisboeta Forjaz de Sampaio reúne de vários pequenos alfarrabistas um enorme espólio da literatura popular o que resulta na publicação de Teatro de Cordel (1920-1922), ainda hoje um dos melhores estudos de conjunto sobre o teatro português nos séculos XVII, XVIII e inícios do século XIX. Esta publicação editada pela Academia das Ciências de Lisboa mereceu ao autor, até então considerado «vulgar e rasteiro» a condição de Sócio Honorário da mesma Academia.
Através do seu conhecimento do submundo lisboeta Forjaz de Sampaio reúne de vários pequenos alfarrabistas um enorme espólio da literatura popular o que resulta na publicação de Teatro de Cordel (1920-1922), ainda hoje um dos melhores estudos de conjunto sobre o teatro português nos séculos XVII, XVIII e inícios do século XIX. Esta publicação editada pela Academia das Ciências de Lisboa mereceu ao autor, até então considerado «vulgar e rasteiro» a condição de Sócio Honorário da mesma Academia.
Vi que a vida era má e escrevi estas cartas. Se as leres no meio de um festim, as porás de parte com enfado, mas buscarás a sua consolação quando o mundo te fizer chorar.
Carta I
Meu amigo:Escrevo-te de longe, de muito longe, perdido nos confins deste meu bairro onde só muito fraco chega o rumor da grande cidade. De que hei-de falar? Da Vida? Pois seja. Tu vens para ela, para o imenso brouhaha. A vida é a escola do cinismo. Trazes coração? Esmaga-o ao entrar como uma coisa que nos compromete, que nos avilta. Se acaso és bom, tolice. Não venhas. Aqui para triunfar, é preciso ser mau, muito mau. Sê mau, cínico, hipócrita, e persistente que vencerás. Serás aclamado, respeitado e invejado. Ri do Bem e da Virtude, da Alma e do Sentir. Ri de tudo, que é preciso que rias. Abafa um protesto com um sorriso, uma agonia com uma gargalhada, um estertor com uma praga.
Sê polido, meu amigo. Encobre a raiva sob o riso, e o riso sob o pesar.
Sê mau, sobretudo. Se a alma compromete estrangula-a, se o riso desmascara sufoca-o, se o choro atraiçoa esfibrina-o às gargalhadas. Não ames nem creias. Todo o homem que ama é homem perdido, e todo aquele que crê nunca será ninguém. Odeia sempre. Odeia os que sobem e os que pretendem subir, odeia os que subiram e os que um dia subirão. Odeia todos e desconfia. Lembra-te que o Ódio dá mais prazeres que o Amor. A satisfação de ver agonizar um canalha, quer ele seja um mártir, quer ele seja um ladrão, é maior que a de sentir os braços opulentos de uma mulher que se entrega. É menos um. Sê pois forte como o diamante e como o Ódio. No Amor — gentil comédia — sê pródigo, e sobretudo nunca ames uma só mulher. Se és bom serás ridículo, se és mau serás temido. Sê mau sempre. Este farrapo a que se chama Vida foi, é e há-de ser sempre assim. Tudo é egoísmo. Se és bom morrerás como Judas, se és mau, meu amigo, serás lembrado como Satã. Vem, mas vem cínico. Triunfarás, terás ouro, amantes, mulheres, o diabo. Acredita que metade da humanidade nasceu para se rojar pela lama, para que tu, eu, todos os maus, todos os cínicos, a esmagássemos e lhe cingíssemos fraternalmente as carnes com um chicote. Depois da morte há o Nada. Portanto, meu caro, aqueles que o sabem, o que pensam é em sugar a vida com um furor de agiotas sem entranhas. Isto é como no mar; já Shakespeare dizia que “o mugem vive para ser tragado pelo lúcio”. Ou serás vencido ou vencedor. Se vencido esperam-te todas as humilhações, desde o desprezo até a compaixão. Se vencedor todos os triunfos, desde o respeito ao Capitólio. Luta sempre calado, fino, sabido, que se não tens jeito para isto serás um eunuco eterno, castrado para a Vida, para o Amor e para o sonho. A raiva também tem o seu gozo, o Ódio também tem o seu amor. E o amor do Ódio é maior porque é mais forte. Não poderás gozar e serás mais desprezado do que uma serapilheira que o uso condenou. A carne é matéria como a rocha, a rocha é matéria como a flor. Da mulher honesta à prostituta não há diferença, a distância de uma à outra é nula. Não beijam ambas? Uma por prazer, outra por precisão. Pois, meu caro, eu prefiro a prostituta sempre. Acredita que todos se vendem, homens e mulheres, palhaços e imperadores, Cristos e mendigos: a questão é de preço e o preço sufoca todas as consciências, todas as revoltas. Acredita que falta quem compre toda a gente que se quer vender. A mulher mais honesta capitula, e aquilo a que tu chamas acaso, chamo eu persistência, e a persistência gasta a vida como a água gasta a rocha. Tu és filho de uma prostituta pois que tua mãe só foi de teu pai e teu pai foi o primeiro a quem ela se entregou, que depois o egoísmo do seu amor fez conservar junto de si... O seu corpo tinha gozos inusitados que ele demandou primeiro. E se teu pai não fosse dela, seria o primeiro que lhe agradasse, o primeiro que a sua carne lhe impusesse, o primeiro que passasse à sua rua. Assim, tu és filho de um operário como o poderias ser de um assassino. Podia mais a sua carne do que ela, mas o seu egoísmo foi maior do que a sua carne. “A vida é uma luta brutal” (Tourgueneff). Tu crês em Deus? Crês sim, que bem o sei. Pois bem; vai dizer-lhe que eu o odeio com toda a força do meu ódio. Tu que te dás com ele, que crês nele, que és amigo dele, vai dizer-lhe que ele é mais vil do que as coisas vis. Vai dizer-lhe que eu o odeio, porque ele deixou morrer aquela criatura aqui do lado, cujos seis filhos abandonados me vieram comer o meu jantar. Vai dizer-lhe o ódio que lhe tenho por ele deixar morrer aquele justo, que por ser bom teve de se matar; diz-lhe finalmente que nada disto se deve fazer quando se é Deus. Que me odeie agora também porque eu dei o jantar aos pequenos que não o tinham; que me odeie porque a última camisa a dei a um pobre que quase ma roubou; que me odeie porque eu o castigo como no outro dia castiguei um velho que maltratava um cão. Anda, vai dizer-lhe que me odeie, que se avilte ainda mais se é capaz... A geração é de covardes e “cada ano que passa está mais corrupto o mundo” (M. Gorki). Ah, não ter eu muito que dar a este pequeno miserável que me bate agora à porta, para que ele me chame o mais vil que o sol cobre, o mais canalha de todos, o mais indigno, o mais bandido! Ele não se engana. Lá tem o seu raciocínio que não falha nunca. Dei-lhe tudo o que tinha e todavia vai a resmungar baixinho que um dia, um dia que virá cedo, me virá bater à porta com uma coronha e me há-de fuzilar a mim, o maior dos patifes que o socorri. Vai-se embora a pensar que se fosse rico, havia de azorragar toda essa ralé que pede esmola e toda aquela que dá tudo o que tem. E cisma em ser um dia o maior dos Neros que o mundo tem visto; em ter um chicote com que possa de uma só vez azorragar a Terra, ele, cujo corpo deveria ser balançado no candeeiro ali defronte. De trinta mendigos a quem dei esmola hão-de nascer noventa patifes para me apedrejar. Abençoada esmola! Mas explica-se. É que a minha esmola — esmola humana — fecunda lá dentro todo o meu cinismo e toda a minha canalhice. Deste-me esmola? Muito bem, odeio-te. Odeio-te porque não posso também dar esmola e porque me curvei a ti. Toda a vida me fizeste bem, socorreste-me, agasalhaste-me. Um dia eu — mau como sou — estou por cima. Então eu havia de perder a ocasião de me vingar de tudo o que tu me fizeste? Chegou o meu dia. Agora, meu velho, eu sou maior, ouves? Eu dobrei-me e tu socorreste-me, mas eu dobrei-me. Eu era um faminto e tu sentaste-me à tua mesa, mas eu dobrei-me. Tive fome tu encheste-me, tive frio tu agasalhaste-me. Irritante Tu, sempre Tu. E eu não podia vingar-me, mas agora chegou minha vez.
Acredita que todos aqueles a quem fazemos bem nutrem lá dentro a secreta esperança de um dia nos correrem a pontapé. Logo no primeiro dia em que não temam desconjuntar a bota quando o fizerem, percebes? Escutaste? Vem, se te sentes com forças. Demais és pobre. Então para ti a vida é tudo isto e tudo o mais que tu tiveres coragem de inventar. “O pobre será odioso até ao seu parente mais chegado” (Provérbios, XIV, 20), que não "merece carinhos quem não tempera caldo" (Silva Pinto), ouves? Tu virás e triunfarás. Tu serás mau e cínico e traidor. A Vida? "Seria loucura, na verdade, conservarmos alguns sentimentos compassivos quando vivemos em semelhantes cavernas" (M. du Camp). A Vida é uma canalhice, uma farsa, “uma luta brutal”, como diz Tourgueneff. In Albino Forjaz de Sampaio, Palavras Cínicas, cortesia de Virgílio Brandão, Terra Longe.
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Cortesia de lusawines
Morreu em Lisboa, a sua cidade de eleição, a escrever um artigo para um jornal. Forjaz de Sampaio nunca se afirmou um escritor mas bradou aos quatro ventos que era um «jornalista levado dos diabos».
Alguma Bibliografia:
- O sol do Jordão;
- Illuminuras;
- Palavras Cínicas (crónicas / cartas);
- Crónicas Imorais;
- Lisboa Trágica;
- Como se implantou a República em Portugal;
- Gente da Rua;
- Cantáridas e Violetas (crónicas);
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- Tibério, Filósofo e Moralista;
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- Subsídios para a história do teatro português: teatro de cordel – catálogo da colecção do autor;
- Teatro de Cordel;
- Mais Além do Amor e da Morte (máximas e pensamentos);
- A Batalha;
- Eugénio de Castro: a sua vida e a sua obra (Col. Patrícia);
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- Guerra Junqueiro: a sua vida e a sua obra (Col. Patrícia);
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- Nicolau Tolentino: a sua vida e a sua obra (Col. Patrícia);
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- Fernão Lopes: sua vida e a sua obra (Col. Patrícia);
- Início da publicação em fascículos da História da literatura portuguesa ilustrada com colaboração de Afonso Lopes Vieira que se vem a concluir em 1942;
- João de Deus: a sua vida e a sua obra (Col. Patrícia).
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- As Melhores Páginas da Poesia Portuguesa (Antologia);
- Poeira do Caminho – Páginas Escolhidas (vinte e sete anos de vida literária) (com um prefácio do Dr. Ricardo Jorge);
- Volúpia: a nona arte: a gastronomia;
- O que todo o português deve saber de Portugal.
Cortesia de openlibrary
Cortesia de wikipédia/Infopédia/Terra Longe/JDACT