Cortesia de purl
«O Teorema do Infante D. Henrique englobava um punhado de objectivos:
- religiosos;
- comerciais;
- políticos;
- científicos;
- técnicos;
- humanitários;
- ecuménicos enfim.
Sagres foi uma realidade e um símbolo. É possível delimitar-lhe aquela realidade física, aparentemente inexpressiva. Mas ninguém pôde, até hoje, medir a actuação espiritual desse símbolo. A realidade foi a Escola instalada no Promontório Sacro, a partir de 1415. É a primeira originalidade prática de D. Henrique. Tornou-se o berço de muitas outras iniciativas, desde que no pensamento do Infante germinaram as ideias fundamentais do seu Teorema.
A faceta primordial daquela originalidade consistiu na escolha duma sáfara ponta marítima, quase inóspita: seria ali o vértice estratégico despetalando-se em todos os sentidos, como núcleo duma rosa-dos-ventos, para o desdobrar da Acção. De resto, uma autêntica rosa-dos-ventos lá perdura ainda, como emblema excavado em raios gigantescos, na rocha viva.
Cortesia de tribunadosisal
Ao alcance das proas, o Noroeste Africano; de frente, a planície atlântica para evoluções navais, delimitada por uma cerca de interrogações; à direita, a bruma. A Vila do Infante albergava navios, mestres, instrutores, aprendizes, pilotos e dezenas de colaboradores técnicos. A Vila de Lagos acolhia a junta de matemáticos, de astrónomos, de cartógrafos, a parceria mercantil e os empresários navais. Em Tomar aquartelava-se o melhor dos cavaleiros de Cristo, a fina flor das armas portuguesas, de que era governador. Em Lisboa residia a reserva de matemáticos e teólogos da Universidade, juristas, sabedores, todos entregues a ocupações especializadas junto à corte, úteis a qualquer momento, prestativos a qualquer apelo.
Na Casa Real havia alguns murmúrios; porém o Príncipe sabia impor-se, sabia o que queria e sabia como alcançá-lo. Aparentemente reservado, meticuloso nos seus desígnios, ele era, mesmo sem o pretender, o homem forte, a voz autorizada da Nação.
Mercadores e «cidadãos», inicialmente nada compreendiam de tamanhos investimentos, sem juros tangíveis. Os lucros primeiros do açúcar, vinho, gado, tinturaria e pesca das ilhas atlânticas já provocaram desusado alvoroço, dentro e fora do País. Nos planos do Príncipe apenas significavam um entreposto de somenos. D. Henrique visava longe, muito mais longe. A Guiné? Certamente, a Guiné. Mas nem aí seria o fim, como supôs Zurara:
- Era uma das «finalidades» intermédias, tais quais os agrupamentos de astrónomos, dos laboratórios ou oficinas de instrumentos para medição, as comissões de cartógrafos, as salas de risco naval, as aulas de adestramento de pilotos, as frotas, a busca de fontes de renda para subvenção do misterioso empreendimento.
Misterioso, sim; porque aparte alguns familiares ou os íntimos da Ordem, ninguém conseguia penetrar nos seus intentos, cujo hermetismo só no correr dos anos se foi desfazendo. Era proposital o hermetismo; disso temos provas sobejas. Um segredo necessariamente seu, quanto à profundidade e transcendência. Os séculos o desanuviaram, e mais, justificaram-no.
Cortesia de dubleudansmesnuages
Quanto mais se averigua tanto mais se proclama a prudência realista daquele místico.
Que dizer, portanto, da feitura do decantado núcleo de estudos, se tão inadequado título lhe podemos dar? Atentemos em que houve na Idade Média universidades fragmentadas, sem prédio próprio, sem cidade fixa onde se vinculassem exclusivamente. Notemos também que o termo «escola» tem uma elasticidade indefinida, sem que se lhe deva conferir uma localização física:
- Escola Gongórica;
- Escola Socrática;
- Escola Provençal.
Não assim em relação a Sagres, conquanto sejam muito escassas hoje as informações do seu inventário. Casas, igrejas, acomodações, hospedarias, edifícios - de tudo houve em Sagres. Foram destruídos pelo tempo, depois que Lisboa substituiu vantajosamente a preponderância da Vila do Infante.
Prestage fez um inventário parcial, respigado na documentação ainda existente. Todavia, fachadas e estruturas imponentes não devem ter existido lá.
Dadas as finalidades estritamente pragmáticas, no seu apetrechamento básico, o aparato considerava-se um arrebique transitório, prescindível e até prejudicial. Dizemos prejudicial devido à reserva das intenções em mira e à versatilidade daqueles estudos, com seus exercícios em terra e mar.
Entusiasmado, Tito Lívio Ferreira escreveu com bastante sainete: Na Escola Naval de Sagres - a primeira instalada no Mundo - madrugam os tempos modernos. Falta-lhe a aparelhagem de uma universidade contemporânea. Talvez não haja bancos para os alunos. Também não precisam deles. A sala de aula é o mar oceano.
Cortesia de conheceroporto
Mestres e alunos são marinheiros, são pilotos, são cartógrafos, são geógrafos, são astrónomos. As salas de aula navegam. Caminham sobre as águas, à luz do Sol ou das estrelas, entre o infinito do céu e o mar infinito.
Naquele século pululam os Centros de Estudos Universitários. Moldavam-se todos numa rígida conceituação monástica ou conventual, desde o latim à indumentária. É só lembrar a praxe de Coimbra ou de Paris. A Escola do Infante era uma Nautica Universitas original em tudo, a exigir processos também em tudo originais.
Ultrapassava, sem excluí-lo, o academicismo sedentário; a saber, praticava a especulação das teorias científicas, discutindo-as, sopesando-as com rigor e números, considerando a legitimidade teológica ou jurídica dos propósitos na expansão ultramarina. Adoptava o método peripatético, ou, melhor, levava as discussões para o vaivém das ondas, indagando com lógica o porquê de tudo. Mas nem aqui se quedava. Na própria actividade é que se cifrava a essência do estudo, já na maturação das conclusões.
Desde as salas do Paço do Infante às acomodações dos astrnomos, desde a oficina da cartografia aos galpões da carpintaria, desde as forjas e laboratórios dos instrumentos aos estaleiros das caravelas, desde a mesa redonda dos letrados cercados do livros ao tráfico da Guiné, às culturas experimentais - das ilhas -tudo conspirava para um fim:
- apetrechar Portugal a fim de romper caminho até às Índias. Depois, modificar a concepção acomodada do isolamento europeu, abrir os mundos ao mundo para Serviço de Deus e com Honra e Proveito, se ser pudesse.
Aquela via não era conhecida de nenhum vivente, nem suspeitada sequer pelos europeus. A Europa confinara-se em seu território estreito, cercada de alfanges. Urgia arrancar o cristianismo às novas catacumbas, rasgando-lhe uma passagem para o sol. Não era sabido, insistimos, porém já era suposto o passadouro, pela lógica do Infante.
Por isso tudo, Sagres não estudava só as Ciências: fazia as Ciências! Não aplicava apenas a Técnica! Remodelava e criava a Arte! Não se restringia a um limitado recinto de doutrina, bem demarcada, predeterminada: irradiava-se, qual se fora a rosa-dos-ventos, em todas as direcções, num sentir universalista, sem exclusivismos vesgos.
Cortesia de jasg08
O próprio segredo não era exclusivismo: era condição provisória, legítima defesa de Princípios e Direitos.
Propositadamente ventilámos, nos primeiros títulos deste escorço, variados aspectos do Infante como Homem e Príncipe. Percorremos os olhos pelas fases parceladas da sua Acção gradativa. Outros quadros haveria igualmente fecundos para a safra informativa das produções de Sagres, no seu tempo ou fora dele; como quem diz, a curto e a longo prazo.
Um denominador comum existe, além do Objectivo Teoremático de D. Henrique, a convergência de todos os meios para a marinharia. Esta foi preparada visando-se todas as circunstâncias possíveis, sem excluir as das relações humanas - as científicas, as sociais, as comerciais, as agrícolas. Ainda lhe não computamos todo o acervo dos seus frutos, que é o que importa. Aqui tratámos apenas dum rótulo.
Chamem-lhe academia, concluam por ter sido uma escola, digam-na centro de estudos; nunca, através desta ou daquela classificação, teremos definido satisfatoriamente a operação SAGRES. Simplesmente porque na sua singularidade não tinha nem precedente nem paralelo.
Essa a razão pela qual, olhada pelo aspecto do conjunto, lhe demos a vaga designação de Nautica Universitas». In Silva de Azevedo, Corolário de Sagres, Academia ou Escola Peripatética.
Cortesia de profactiva
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